Novembro - 2022 - Edição 285

Ruy Castro e a imortalidade

Logo que fui contratado pelo Adolpho Bloch, em janeiro de 1960, para ser chefe de reportagem da revista Manchete, no lugar de Darwin Brandão, preocupei-me com o quadro de repórteres com que passaria a contar, para ajudar Justino Martins no comando da publicação. Ele era um excelente profissional, mas, recém-chegado de Paris, tinha a cabeça quase inteiramente voltada para os assuntos da capital francesa. A minha primeira e fundamental obrigação foi “nacionalizar” os temas – e para isso precisava de bons repórteres. Três deles eram fora de série: Ruy Castro, Ney Bianchi de Almeida e Fernando Pinto, que já estavam engajados na empresa da rua Frei Caneca, 511.

Tínhamos a obrigação de lutar para alcançar a revista O Cruzeiro, líder absoluta que na época tinha incríveis 500 mil exemplares de tiragem. Por sorte minha, eles se davam às maravilhas com o Justino, o que facilitava as coisas. Na verdade, a preocupação do Justino era o acabamento da revista, uma atividade praticamente cinematográfica, tomando como exemplo os modelos do Paris Match e Jours de França, na época as principais publicações francesas. Se quisermos estender um pouco mais o estilo Justino, podemos citar ainda as revistas Look e Life, que ele também gostava de compulsar semanalmente. Era com essas quatro revistas que o JM criava o seu modelo de trabalho, naturalmente dependendo das matérias que o setor de reportagem colocava em suas mãos, de preferência com belas fotos em cor e PB.

Dispúnhamos de um quadro verdadeiramente espetacular de repórteres fotográficos, o que garantia matérias de qualidade já então com o uso dos ektachromes (fotos coloridas). Lembro de alguns nomes: Nicolau Drei, Gervásio Baptista, Gil Pinheiro, Jankiel Gonczarowska, Antônio Trindade e os craques de São Paulo (alguns até premiados). Na equipe de repórteres, logo tivemos o reforço do Salomão Schvartzman, que saiu de O Globo para enriquecer o time de São Paulo.

Nessa fase, já existia muita admiração pelo trabalho do Ruy Castro. Ele depois se tornaria um mestre da biografia, pesquisando a vida e a obra de Nelson Rodrigues (nosso colega da Manchete Esportiva), Carmen Miranda, Garrincha (com quem eu tinha estado nos preparativos da Copa de 58 na Suécia) e acompanhado a bossa nova e os modernos artistas dos anos 1920. Ruy começou como repórter, no início da década de 1990 e depois passou pelos grandes veículos da imprensa do Rio e de São Paulo. Até hoje é cronista da Folha de São Paulo. A partir de 1990, dedicou-se às biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues (a seu convite estive em São Paulo para falar sobre o autor de O anjo pornográfico). Publicou também os romances Bilac Vê Estrelas (2000), Era no Tempo do Rei (2007) e Os perigos do Imperador (2022). Em consequência desse trabalho, ganhou o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (pelo conjunto das suas obras).

Dessa forma, firmei uma sólida amizade com o Ruy e, quando precisou de algumas informações de “cocheira”, sobre o comportamento dessa gente, fui um bom informante dos trabalhos do repórter. Lembro que como tinha estado com Garrincha nos treinamentos de Poços de Caldas e Araxá, com fotos que demonstravam isso, tive que abastecer o Ruy Castro de informações sobre os hábitos de bebida do nosso genial ponteiro direito. Amenizando as notícias de que o jogador do Botafogo era um beberrão contumaz. Como ele poderia ser o craque que demonstrou ser se dizia que ele vivia bêbado? Não era verdade. Fui testemunha e ajudei a salvar a reputação do marido da Elza Soares.