Setembro - 2020 - Edição 259

A divina

Quando noivos, eu e a Ruth frequentávamos muito a rua Senador Eusébio, no Flamengo, onde morava a Cléa, uma das suas melhores amigas. Era uma rua bem caseira, sem saída (na época). No número 3, logo à entrada, estava sendo construído um prédio bem simpático, de 8 andares. Namorávamos a possibilidade de morar por ali, com a vantagem de que era bem perto da Manchete, onde eu trabalhava

e, logo após o festejado noivado, pagou o sinal para a compra do apartamento 701. Um mês depois, infelizmente, veio a falecer, num inesperado e fulminante ataque cardíaco. Mesmo assim, mantivemos o compromisso e ali se tornou o lugar em que nasceram os nossos três filhos.

Com um pormenor adicional e extremamente feliz: no andar de cima, morava a extraordinária cantora que foi Elizeth Cardoso. Vezes sem conta nos encontrávamos no elevador ou na portaria, e assim se fez uma amizade para toda a vida. Ela era simpaticíssima e se tomou de amores pelo nosso filho mais velho, o Celso. Sempre que o encontrava, a “Divina”, como passou a ser chamada, passava a mão na cabeça dele e o chamava carinhosamente de “Meu Lourinho”. A bênção simpática da maior cantora brasileira era um bálsamo.

Hoje, ela estaria fazendo 100 anos. Posso falar na alegria do neto Paulo Valdez, que conheci como vizinho, se pusesse reencontrar a avó famosa, falecida há cerca de 30 anos. Terá álbuns relançados nas plataformas de streaming, além de comemorações em shows virtuais e lives espalhadas pelas redes sociais. Sem ter tido a popularidade de Maria Betânia, Elis Regina e Gal Costa, mas com uma voz marcante e uma carreira exemplar, Elizeth começou a cantar na noite carioca, até ser contratada pela gravadora Todamérica.

Já era um nome de grande expressão no rádio brasileiro, para onde foi levada pelo querido amigo (frequentador do nosso prédio) Jacob do Bandolim. Com ele, gravou um samba de Noel Rosa, intitulado “Quem ri melhor”. Mas o primeiro grande sucesso foi “Canção de Amor”, de 1950, até se tornar protagonista do movimento da Bossa Nova, que acompanhei bem de perto com a amizade por Ronaldo Bôscoli, meu colega da Manchete. Gravou diversas músicas de sucesso, com a sua voz inigualável. Merece a nossa homenagem.