Maio - 2023 - Edição 291

Onde É que Eu Estou?

Onde É que Eu Estou? (Bazar do Tempo, 2019) reúne, ao longo de 240 páginas, uma série de textos de Heloisa Buarque de Hollanda, escritos em diferentes momentos de seu percurso intelectual. Neles, Heloisa debate desde a roupa criada para que Rachel de Queiroz – a primeira escritora eleita para a Academia Brasileira de Letras – pudesse participar da cerimônia de posse, passando por uma análise sobre as diferenças e semelhanças entre a literatura e a poesia marginais, os caminhos e descaminhos da literatura digital. Apresenta, ainda, suas leituras no campo dos estudos culturais – área na qual é referência como ensaísta, crítica e professora de Teoria da Cultura, função que exerce há cinco décadas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 60 anos de carreira e 80 de vida, Heloisa Buarque de Hollanda já deixou relevantes marcas na cultura brasileira: revelou importantes poetas, discutiu o pensamento feminista de forma pioneira e chamou a atenção para a pulsante produção cultural das periferias. Sempre atenta ao novo, a escuta talvez seja sua característica mais marcante, o que fica claro na entrevista que abre a publicação, organizada por André Botelho, Cristiane Costa, Eduardo Coelho e Ilana Strozenberg.

Viva a Produção Prazerosa

Em Viva a Produção Prazerosa – Histórias das colheres de bambu (Ed. Mandacaru), Alvaro Abreu conta sua rica experiência como fazedor de colheres de bambu, iniciada há quase três décadas, após sofrer um infarto. Na contramão da tendência de digitalização e automação, Alvaro exalta o prazer de produzir com as próprias mãos. O texto relata as transformações de sua casa em ateliê de trabalho e os desdobramentos proporcionados por suas criações. O autor estima que já esculpiu mais de 5 mil colheres, todas sem projeto prévio. Enquanto muitas foram dadas de presente para amigos e conhecidos, outras centenas delas viajaram o Brasil e a Europa em exposições individuais e coletivas. O livro, escrito em primeira pessoa, é leve, didático e descontraído. Ao longo da bela edição, o leitor se depara com 264 páginas coloridas, ricamente ilustradas com fotografias das colheres, ferramentas, bambus e exposições. Em seu segundo livro de memórias, o capixaba Alvaro Abreu traz, na genética, o talento do tio, o consagrado Rubem Braga. Engenheiro de produção e cronista, compartilha suas ideias e vivências, seus métodos de trabalho e sua paixão pelas ferramentas. A escrita franca e sensível traz a esperança implícita de contribuir para que cada um venha a descobrir sua própria “colher”.

Adjetivo Feminino

Adjetivo Feminino (Bebel Books, 2022), com texto e projeto gráfico de Marina Jerusalinsky. Contou com a participação de mais de quarenta mulheres, que enviaram à artista os adjetivos que as marcaram de algum modo durante a vida, acompanhados por breves relatos sobre os contextos em que lhes foram ditos. Foi a partir dessas palavras e histórias – dessas marcas – que a autora criou os verbetes presentes no livro, acrescentando a eles suas próprias experiências, além de um tanto de pesquisa. O resultado é uma obra criativa e interessante, dividida em três partes – “Ambiente de trabalho”, “Espaços públicos e comerciais” e “Relações pessoais” –, com descrições divertidas de adjetivos como linda, morena, feminista, arrogante, anormal, gorda, braba, estressada, mandona, exibida, fácil, fresca, relaxada, sensível, etc. Marina Jerusalinsky nasceu em Porto Alegre, em 1990. Desde 2017 mora na capital paulista. É artista e investigadora de palavras; trabalha, principalmente, com ações no espaço urbano, escrita e propostas participativas. Participou da 13ª Bienal de Arte Jovem de Santa Fé (Argentina, 2018), entre diversas exposições coletivas, e realizou sua primeira individual pelo 3º Prêmio IEAVI, na Casa de Cultura Mário Quintana (Porto Alegre), em 2014. Atualmente, cursa doutorado em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo (USP).

Fracasso e Acaso

No livro Fracasso e Acaso – Uma reflexão sobre erros, acertos e o papel do aleatório em nossas vidas (Ed. Rocco), o físico Ricardo Horowicz e o psicanalista Luiz Alberto Py falam de um tema que angustia muitas pessoas: o quanto somos responsáveis por nossas derrotas (ou por nossas conquistas). Com uma abordagem científica e bem-humorada, os autores investigam diferentes aspectos de como o fracasso surge e é vivenciado por nós, suas inúmeras causas e facetas. Dividido em 13 capítulos, o texto vai da discussão do livre-arbítrio ao caos determinístico, das lendas gregas a experimentos psicológicos, passando pelo amor, mercado financeiro e teoria dos jogos. Neste percurso, enfatiza a relação de sentimentos como inveja, ressentimento, perdão e outros com aquilo que costumamos chamar de fracasso. Os autores defendem que tendemos a nos atribuir um poder sobre nosso destino baseado em frágeis percepções que uma análise objetiva desconstrói. Ricardo Horowic é PhD em Física, tendo trabalhado em diferentes laboratórios internacionais e chefiado o grupo de ótica quântica do Instituto de Física da USP. Luiz Alberto Py é formado em Psiquiatria pela UFRJ, especializado em psicanálise. Assinou durante 10 anos a coluna semanal “Mistérios da Alma”, no jornal O Dia e é autor de vários livros, entre eles o best-seller Olhar Acima do Horizonte.

Caminhos de Proust

A bela publicação Caminhos de Proust (1871- 1922) – Cem anos depois concretiza o primoroso projeto curatorial concebido por Gilberto Schwartsmann, assinalando os cem anos da morte de Marcel Proust e a conclusão da primeira etapa da revitalização da Bibllioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul. O livro mostra um rico acervo de documentos, fotografias, manuscritos e autógrafos relacionados à vida e obra do grande escritor, em parte pertencentes a Bia e Pedro Corrêa do Lago. Há também edições raras de obras literárias produzidas pelos autores que formaram o Proust leitor. No texto de apresentação, o curador ressalta a sofisticação da literatura proustiana: “Por mais simples que seja a ideia ou sentimento que Proust queira transmitir ou evocar, seu leitor sabe que, quase inevitavelmente, sua frase virá enfeitada pela referência a algum lugar belo, a uma passagem bíblica, a lendas, a mitos, a obras de arte ou mesmo por alguma citação sobre alguma edificação colossal feita pelo homem.” Um dos principais oncologistas do país, Gilberto Schwartzmann, diretor da Biblioteca Pública Estadual de Porto Alegre, é um notável colecionador literário, autor, entre outras publicações, do livro A Amante de Proust e membro da Academia Nacional de Medicina.

De Clóvis para Amélia e Outras Cartas

Em De Clóvis para Amélia e Outras Cartas (Ed. Dialética), José Luís Lira reúne correspondências inéditas do jurista Clóvis Bevilaqua (1859 – 1944) à sua então namorada, Amélia de Freitas Bevilaqua (1860 – 1946), entre agosto de 1882 e fevereiro de 1883. As cartas vêm acompanhadas de notas de rodapé que contextualizam o momento vivido e as personalidades citadas, bem como biografias de Clóvis e Amélia. Há esclarecimento sobre a não- -participação de Bevilaqua no caso Olga Benário Prestes, entre outras informações inéditas. Nas palavras da processualista Ada Pellegrini Grinover, da Academia Paulista de Letras, trata-se de “trabalho pioneiro de um jovem que, com perfeita paciência, pesquisou até descobrir um epistolário surpreendente; encantada, em consequência, por descobrir uma faceta até hoje desconhecida da personalidade do maior civilista brasileiro de todos os tempos; e maravilhada, por identificar naquele autor, célebre por suas obras jurídicas, um verdadeiro expoente do Romantismo brasileiro”. José Luís Lira é advogado, mestre, doutor e pós-doutor em Direito. Professor do curso de Direito e diretor adjunto do CCSA, da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Comendador da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, membro da Comissão de Cultura e Arte do Conselho Federal da OAB, fundador da Academia Fortalezense de Letras, entre outras.