Fevereiro - 2023 - Edição 288

Buraco do Dato

A obra Buraco do Gato (Ed. Kelps, 2022) reúne uma coleção de artigos memorialísticos do presidente perpétuo da Academia de Letras de Brasília, José Carlos Gentili, membro efetivo da Academia das Ciências de Lisboa. Com uma linguagem que reúne conteúdo e elegância, na mesma medida da graça e da leveza, os textos primam pelo tom coloquial próprio da crônica, embora afastados do viés puramente confessional. Segundo o crítico literário João Carlos Taveira, que assina a orelha, nos textos não há atavios nem subterfúgios: “As narrativas dizem de coisas e loisas, numa busca incansável de aproximação da palavra precisa, com ironia e, às vezes, com sarcasmo, mas nunca com benevolência ou subserviência aos demandos e arbitrariedades que, outrossim, aqui são detalhadamente descritos.” No prefácio, que assinei muito honrada, ressalto o singular estilo de Gentili, tecelão atento de uma arte cujo instrumento é a palavra: “Autor que acredita na força do vocábulo e na potência da linguagem, a escrita de José Carlos Gentili aproxima a vastidão do universo de perguntas à mansidão das respostas, guardando o culto da sabedoria e dos valores adquiridos. Os textos maduros nos dão a boa medida do seu talento, exercido com sensibilidade e competência, trazendo-nos sossego à multiplicidade crítica.

Arembepe – aldeia do mundo

Arembepe – aldeia do mundo (Editora Máquina de Livros) conta as histórias e aventuras da vila que foi capital do movimento hippie, nos anos 60 e 70. A obra foi escrita em parceria por Claudia Giudice, Luiz Afonso Costa e Sérgio Siqueira, que passaram cinco anos reunindo informações sobre a vila frequentada por nomes como: Janis Joplin, Mick Jagger, os Novos Baianos, Wally Salomão, Glauber Rocha, Roman Polanski, Cláudio Marzo, Jack Nickolson e José Simão. Com ilustrações do artista plástico John Chien Lee, a obra retrata a paradisíaca vila no litoral norte da Bahia, onde, naqueles tempos, a luz elétrica ainda não havia chegado e era natural ter gente circulando sem roupa. Logo, tornou-se a capital mundial do movimento hippie. Histórias e aventuras desse jardim da contracultura foram resgatadas pelos autores, que conversaram com dezenas de figuras icônicas da aldeia, como Candido de Alencar, que criou a Casa do Sol Nascente, com seu inédito cinema solar onde reflexos de espelho levavam os espectadores a viagens psicodélicas e a musa Sandete Ferrão, famosa por andar nua pelas ruas, becos e praias do vilarejo. O estilo de vida naturista era tão comum como as experiências com ácido, gente dormindo embaixo de coqueiros e visões de discos voadores que coloriam o céu.

Democracia na Prática – Por um Brasil melhor

Em Democracia na Prática – Por um Brasil melhor (Editora Almedina Brasil), o general Carlos Alberto dos Santos Cruz destaca que, em 2018, o país foi “vítima de uma enganação eleitoral” que apenas enfraqueceu as bases democráticas e que “há necessidade urgente de sair da armadilha do radicalismo”. Trata-se de uma leitura essencial para entender o posicionamento de um militar perante o último governo. Na obra, o autor avalia que o caminho da união, da redução das desigualdades e da eliminação de privilégios foi subjugado pelo populismo. Afirma que adotaram a cartilha dos momentos de extremismo da história: o fanatismo; o raciocínio binário: amigo x inimigo, direita x esquerda, para manipular a opinião pública; a desinformação; a mentira; as fake news; o assassinato de reputações; o culto da personalidade; e o aparelhamento das instituições: “A transparência e o combate à corrupção foram substituídos pelo que existe de pior em prática política: irresponsabilidade e desrespeito institucional, funcional e pessoal.” Também conhecido por General Santos Cruz, o autor é general de divisão da reserva do Exército Brasileiro, comandou forças da ONU em missões de paz no Haiti e no Congo, atuou como secretário Nacional de Segurança Pública e como ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência do Brasil.

Rafaela em Queda

Rafaela em Queda (Editora Patuá, 2019) é o primeiro romance do escritor paulista Cyro Leão. A narrativa enaltece a palavra como alívio para a tragédia. Descrita pelo autor como um “thriller existencialista, no qual a literatura é uma boia em meio ao naufrágio”, a trama é centrada em três personagens: Rafaela, Teles e Rôme. A protagonista, que empresta o nome ao título, sofre com os questionamentos sobre o sentido da vida e se apega à literatura. Narrado de forma não linear, a obra é dividida em três atos. O primeiro introduz e desenvolve os personagens. O segundo – O livro de Rafaela – baseia-se nos escritos da personagem-título. O terceiro é um apêndice que amarra alguns contos, mas deixa a conclusão em aberto. Cyro Leão trabalha na área de comunicação de eventos. Depois de lançar seu primeiro livro, a coletânea de poemas “Confusão”, passou oito anos trabalhando na elaboração de Rafaela em queda. Este ano, a revista Literária Francesa L’Ampoule selecionou uma parte do livro (entre mais de 200 escritores) para sua nova Edição Semestral (Nº 12). Será a primeira vez que um autor não francófono sairá na capa da publicação. Em março, a obra será lançada em Portugal, onde Cyro Leão reside, atualmente.

Sente-se Comigo

Sente-se Comigo (7 Letras), de Luciana Chardelli, narra a história do protagonista Teo, que redimensiona o futuro ao longo das 120 páginas do romance. Isolado em casa, contando as horas durante a pandemia, passo a passo, o narrador faz uma espécie de “ajuste de contas” consigo mesmo, com as lembranças e aprendizagens da vida. As receitas que aprende na cozinha neste período também são compartilhadas com o leitor, ampliando os sabores da narrativa. Diante da solidão do protagonista, seu casamento, o trabalho e o lar são postos à prova, não deixando esquecer que é o presente que entrelaça os tempos verbais da vida. Com talento e simplicidade, a autora, finalista do Prêmio Oceanos 2020 com o livro de contos Espiral, constrói uma narrativa em que a arte imita a vida, resgatando memórias afetuosas que irão emocionar qualquer leitor que tenha vivido as angústias e incertezas da pandemia que assolou o mundo em 2020. Luciana Chardelli Nunes nasceu em 1968 no Rio de Janeiro. Cursou jornalismo e, posteriormente, formou-se em Direito. É advogada, pós-graduada em direito penal e direito processual penal pela Universidade Cândido Mendes. É autora do romance Penso, Logo Insisto: Um desencontro (Multifoco, 2010) e de Espiral (7Letras, 2020).

O Outro Lado do Poder

Em O Outro Lado do Poder (Máquina de Livros, 2022), o jornalista Silvio Barsetti aborda a história da política brasileira sob a ótica das prostitutas. A obra revela casos reais do funcionamento da indústria do sexo no universo político – de Getúlio Vargas, JK, Itamar Franco e Jânio Quadros até figuras mais atuais, como os escândalos envolvendo nomes como Antonio Palocci e os Anões do Orçamento. O autor se debruçou sobre a história recente do Brasil e apresenta o universo do poder pela ótica da prostituição que gravita em torno dele, e vice-versa. Barsetti revisita bordéis e cabarés frequentados por presidentes, jogando luz sobre as festas animadas por parlamentares e lobistas à beira do Paranoá, e traz à tona eventos em hotéis arrendados para celebrar contratos milionários com o poder público. São todos episódios reais, que reforçam o caráter afrodisíaco do poder. Ambientado boa parte em Brasília, O Outro Lado do Poder desvenda o funcionamento da indústria do sexo no universo político. Há fatos protagonizados por notórios conquistadores do primeiríssimo escalão e outros nomes influentes. Autor de A Farra dos Guardanapos – O último baile da era Cabral, um dos livros mais elogiados do país em 2018, Barsetti passou mais de dois anos entre pesquisas e entrevistas.