Agosto - 2023 - Edição 294

Mundo mágico

Viajando pelo mundo do imaginário, este livro conta a história de um menino que está à procura de um burrinho para ser seu amigo em todas as horas. O menino imagina e descreve esse companheiro de aventuras com muitas características. Depois, como que num anúncio, é dito ao leitor que quem souber de um burrinho assim pode escrever ao Menino Azul. Com sua poesia leve e sensível, Cecília Meireles descreve os anseios da criança em conhecer tudo aquilo que é novo. O menino quer mais do que apenas um animal de estimação. Ele quer um amigo para que conversem, aprendam o nome das coisas, inventem histórias e descubram juntos o imenso jardim que é o mundo. Publicado em 1964, o poema O Menino Azul é originalmente um dos textos do livro Ou Isto ou Aquilo, o livro infantil mais renomado da autora e que até hoje é uma das portas de entrada das crianças para o universo literário devido o estilo lúdico dos poemas. As ilustrações de Camila Carrossine nessa nova edição caracterizam bem o mundo da imaginação pelo qual o menino passeia, mantendo a suavidade que interage muito bem com os versos do poema. O Menino Azul sai sob a égide da Global Editora. Cecília Meireles foi uma autora versátil, atuando como poeta, ensaísta, cronista, folclorista, tradutora e educadora. Os livros Romanceiro da Inconfidência, Isto ou aquilo e Viagem são algumas de suas obras mais conhecidas. Recebeu diversos prêmios, incluindo o Prêmio Jabuti e o Prêmio Machado de Assis, e teve sua poesia traduzida para vários idiomas. Todas as suas obras são publicadas com exclusividade pela Global Editora. Ela faleceu em 9 de novembro de 1964 no Rio de Janeiro.

Eterno DI

Quando Emiliano de Albuquerque Mello mostrou pela primeira vez um desenho artístico feito a lápis a seu amigo e mentor Gaspar Puga Garcia, o incentivo que recebeu – “você será pintor” – provavelmente soou mais como amizade do que vaticínio para o adolescente. No entanto, o passar dos anos confirmaria o julgamento de Puga, e Di Cavalcanti vivenciaria, na maturidade, a consagração de seu trabalho pictórico. Enfrentando adversidades financeiras e com uma formação artística dispersa, o pintor pouco a pouco desenvolveu um estilo enriquecido pela sensibilidade e pelo olhar atento à realidade que o cercava – decorrência de sua consciência de classe e de uma vida boêmia. A observação dos tipos sociais e das manifestações culturais levaram Di a uma expressão plástica própria, que sintetizava as tendências estéticas europeias com o ideal da criação de uma arte que se pudesse chamar de brasileira, escolhendo como assunto para suas telas personagens e elementos da cultura popular. Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti construiu uma iconografia particular, que ganharia caráter de referência cultural para o imaginário nacional. Em Di Cavalcanti: Modernista popular (Cia das Letras), Marcelo Bortoloti conta essa história. O autor é jornalista formado pela PUC-Minas, mestre em Artes pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi pesquisador visitante da Universidade de Barcelona e da Faculdade de Belas Artes de Florença, e organizador do livro Carlos Drummond de Andrade e Ribeiro Couto: Correspondência (Editora Unesp, 2019).

Guardiã de saberes

Artista multidisciplinar, Raquel Trindade é um dos grandes símbolos da cultura brasileira. Guardiã de saberes ancestrais, honrou o legado de seus pais, Solano Trindade e Maria Margarida Trindade, deixando, ela própria, um tesouro para as futuras gerações. Essa é a história de uma verdadeira heroína negra. Ativista cultural, artista plástica, dançarina, coreógrafa e ensaísta, fundou, em 1975, o Teatro Popular Solano Trindade, em Embu das Artes, tornando-se expoente na preservação e na promoção da cultura negra e popular. Protagonista também na fundação do Maracatu Nação Kambinda, se tornou conhecida como Rainha Kambinda, a principal referência nessa corte de estrutura matriarcal, originalmente popularizada por grupos que percorriam em desfile as ruas do Recife, lugar onde nasceu. A partir de suas memórias, somos convidados a também participar desse movimento, conhecendo em detalhes sua trajetória de luta incansável pela representatividade negra em todos os setores da sociedade brasileira. Meu Nome é Raquel Trindade, Mas Pode me Chamar de Rainha Kambinda de Sonia Rosa sai pela égide do selo Pequena Zahar com ilustrações de Bárbara Quintino. Sonia Rosa é carioca, escritora, mestre em relações étnicoraciais, professora, contadora de histórias e consultora de letramento racial em escolas do Rio de Janeiro. Tem mais de cinquenta títulos publicados. Dedica-se especialmente à literatura negro-afetiva para crianças e jovens, conceito criado pela autora para nomear sua produção literária, na qual os leitores brasileiros vão encontrar muito amor e muita representatividade negra em protagonismo.

Coletânea

Vírginia Woolf – Uma prosa apaixonada (Editora Autêntica), que tem organização, tradução e notas de Tomaz Tadeu, reúne alguns dos ensaios em que Virginia Woolf aborda, em escopo e profundidade, a temática da natureza da poesia e da prosa literária e, sobretudo, a relação entre as duas. “Poesia é poesia e prosa é prosa” – é o refrão que Virginia atribui, no ensaio Uma prosa apaixonada, aos que se comprazem em traçar os limites dos diferentes gêneros literários. Mas, excetuando-se certas características convencionais, a distinção entre a prosa literária e a poesia se estreita consideravelmente. Há poesias nada poéticas, assim como há prosas deliciosamente, apaixonadamente, prazerosamente poéticas. No fundo, sorrateira e insinuante, o que Virginia quer demonstrar é que sua própria prosa, seja a de ficção, seja a ensaística, é uma prosa poética, uma prosa musical, uma prosa… apaixonada. E a pergunta que ela tenta responder, ao longo desses ensaios, é: o que faz com que uma prosa literária possa ser assim classificada? Complementam o livro dois posfácios, escritos por Roxanne Covelo e Emily Kopley, estudiosas da obra woolfiana. Quem foi Virginia Woolf? É o que ela mesma se pergunta, quase no fim da vida: “Quem era eu então? Adeline Virginia Stephen, a segunda filha de Leslie e Julia Prinsep Stephen, nascida em 25 de janeiro de 1882, […] no meio de uma enorme rede de relações, não de pais ricos, mas de pais bem situados na vida, nascida num mundo educado, extremamente afeito a se comunicar, a escrever cartas, a fazer visitas, a se expressar bem – o mundo do final do século dezenove” (Woolf, 1985, p. 65).

Terror em arte

Considerado um dos grandes romancistas do século XX, Vassili Grossman transforma o terror da guerra em arte. Stalingrado (Editora Alfaguara) é o primeiro volume do díptico que se estabeleceu como um dos maiores clássicos mundiais da literatura de guerra. Junto com Vida e Destino, é considerado o Guerra e Paz do século XX. Em abril de 1942, Hitler e Mussolini se encontram em Salzburgo, onde decidem atacar novamente a União Soviética. A investida logo se intensifica, e o Exército Vermelho é obrigado a regressar ao centro industrial de Stalingrado. Nas ruínas da cidade devastada, as forças soviéticas se preparam para uma última resistência. A trama de Stalingrado se desenrola na Rússia e na Europa, e seus personagens são conhecidas figuras históricas, mas também mães, filhos, maridos, enfermeiras, soldados, trabalhadores e ativistas políticos. No centro do romance está a família Chápochnikova, cuja matriarca se recusa a deixar Stalingrado, mesmo com o rápido avanço das tropas alemãs. Enquanto isso, Liudmila, sua filha, se vê frustrada e infeliz no casamento com o físico Viktor Chtrum. A pesquisa que Viktor desenvolve pode ser crucial para os militares, mas seu pensamento está voltado para a mãe na Ucrânia, perdida atrás das linhas inimigas. Com profunda compaixão e potência, Vassili Grossman narra em Stalingrado a crueldade de um regime opressor e os horrores da guerra sem jamais perder de vista a essência fugaz e delicada da existência humana. “Desde Homero, poucas obras literárias conseguiram se igualar ao olhar preciso e profundamente humano que Grossman lança à face devastadora da guerra.” The Economist

Humanidade

O último romance Um, Nenhum e Cem Mil (Penguin Companhia) de Luigi Pirandello, conhecido por revolucionar a literatura italiana do século XX, apresenta uma crise identitária profunda do sujeito moderno e reflete sobre qual é a essência do que nos define como seres humanos únicos. O livro foi publicado logo antes de Pirandello receber o prêmio Nobel de literatura. Vitangelo Moscarda, filho de um banqueiro, tem sua vida pacata perturbada por uma simples observação da esposa: seu nariz parece um pouco caído à direita. Esse comentário leva o protagonista a refletir que cada pessoa nos enxerga de uma forma diferente, e quem pensamos ser talvez não passe de uma ilusão criada para nós mesmos. A ferida desta crise identitária, anunciada desde o começo do romance, logo se converte em um abismo vertiginoso, ao passo que Vitangelo busca dinamitar sua persona pública de usurário e fundar uma nova identidade para si, numa jornada tanto de autodescoberta quanto de autodestruição. Autor da brilhante peça metalinguística Seis personagens em busca de um autor – nos conduz com maestria por esse percurso labiríntico em um romance filosófico que questiona os pilares mais básicos do que significa ser humano na modernidade avassaladora da vida na cidade. Luigi Pirandello nasceu em Agrigento, em 28 de junho de 1867. Foi um dramaturgo, poeta, ensaísta e romancista siciliano. Conhecido como grande renovador do teatro, sua obra se divide em diferentes fases, passando pelo humorístico e o grotesco e culminando no metateatro. Pirandello foi nomeado acadêmico da Itália em 1929, e em 1934 recebeu o prêmio Nobel de literatura, dois anos antes de sua morte em Roma.