Dezembro - 2021 - Edição 274

Cidade cultural

Cataguases – Século XX antes & depois (Editora Tipografia Digital), de Ronaldo Werneck, é um livro que traça um breve panorama da história da cidade, que vem de meados de Oitocentos, passa ao longo do Novecentos e chega aos tempos atuais. A obra tem como escopo mostrar a evolução de Cataguases – de seus primórdios até “a cidade modernista” dos dias de hoje. E também direcionar uma releitura sociogeográfica dos fatos históricos da cidade, evidenciando a existência de um projeto civilizatório que tomou todo mundo: do talento dos ases literários e cinematográficos que marcaram os primórdios de sua cultura aos industriais e sua tecnologia, que impulsionaram o crescimento da cidade. Aqui está uma Cataguases em constante transformação, memória em movimento: vida. Em seu prefácio, escreve Angelo Oswaldo, ex-secretário de Cultura de Minas e hoje exercendo o quarto mandato como prefeito de Ouro Preto: “Uma cidade povoada de poetas faz com que um deles, Werneck, tome o fio da História, ilumine a Memória e celebre a ‘poesia nossa de cada dia’, ao trazer para este livro a narrativa poética da saga da Meia-Pataca e Cataguases inteira. Ronaldo Werneck toma o século XX para acrescentar-lhe o antes e o depois, a fim de pontuar o itinerário poético da cidade em que nasceu a vertente verdejante do modernismo brasileiro, rodou o cinema inaugural de Humberto Mauro e edificou-se o primeiro traço de Niemeyer em Minas Gerais. E à qual ele dedica grande parte de sua própria obra.”

Transição

Por décadas, Letícia Lanz se apresentou ao mundo na pele de Geraldo Eustáquio. Entender-se diferente da maioria foi um processo longo e doloroso. Neste relato comovente e honesto, Letícia relata como foi se assumir mulher transgênera aos cinquenta anos de idade. Letícia Lanz é psicanalista, palestrante, ativista e foi candidata à prefeitura de Curitiba em 2020. Mestra em sociologia e especialista em gênero e sexualidade, formou-se também em economia e fez mestrado em administração de empresas. Publicou diversos livros, entre eles O Corpo da Roupa. É casada, tem três filhos e cinco netos. Neste livro impactante, ela conta a história de sua transição. A luta para se libertar das amarras de gênero começou quando ainda era criança e culminou num enfarte, cinquenta anos mais tarde. Depois de uma vida marcada pelo permanente conflito entre ser ela mesma ou a pessoa que a sociedade exigia que fosse, na cama da UTI, ela entendeu que transicionar era a única coisa a ser feita se quisesse continuar viva. Ao narrar suas reflexões e experiências pessoais, Letícia convida o leitor a compreender o que é ser e se aceitar uma pessoa transgênera em uma sociedade ainda incapaz de conviver com as diferenças, regida pelo binarismo, em que homem e mulher são categorias determinadas a partir do órgão sexual com o qual nascemos. A Construção de Mim Mesma é um livro sincero que se propõe a abrir novos e variados diálogos sobre diversidade, aceitação e liberdade.

Memórias e fantasmas

Publicados em 42 países e traduzidos para 34 idiomas, os livros de Kate Morton já venderam 11 milhões de exemplares. Grace Bradley foi trabalhar na Mansão Riverton como criada quando era apenas uma menina, antes da Primeira Guerra Mundial. Durante anos, sua vida esteve ligada à família Hartford, mais particularmente às filhas, Hannah e Emmeline. No verão de 1924, em uma festa na casa, um jovem poeta atirou em si mesmo. As únicas testemunhas foram as duas meninas e apenas elas – e Grace – sabem a verdade. Em 1999, Grace tem 98 anos e vive seus últimos dias em uma casa de repouso, quando recebe a visita de uma diretora que está fazendo um filme sobre os acontecimentos daquele verão. Ela leva Grace de volta para a Mansão Riverton e desperta suas memórias e seus fantasmas. Há tempos escondidos nos recantos da mente da senhora, eles voltam a assombrá-la. Um terrível segredo ameaça vir à tona, algo que a história apagou, mas que Grace ainda lembra. Com uma trama misteriosa e emocionante, A Casa das Lembranças Perdidas é o retrato fascinante de uma época, uma reflexão sobre a memória e a devastação da guerra. Um romance vívido de suspense e paixão, com personagens e um final que o leitor nunca vai esquecer. Kate Morton é uma autora premiada e frequenta as listas de mais vendidos em todo o mundo. Dela, a Editora Arqueiro publicou A Casa do Lago e O Jardim Esquecido. Criada nas montanhas de Queensland, na Austrália, Kate é formada em arte dramática e literatura inglesa, especializada em tragédias do século XIX e em romances góticos contemporâneos. Atualmente vive com o marido e os filhos em Londres.

Choque de realidade

Em Anos de chumbo (Cia das Letras), Chico Buarque põe seu conhecido domínio da linguagem a serviço da concisão da forma. O resultado é arrebatador. Uma jovem e seu tio. Um grande artista sabotado. Um desatino familiar. Uma moradora de rua solitária. Um passeio por Copacabana. Um fã fervoroso de Clarice Lispector. Um casal em sua primeira viagem. Um lar em guerra. Imersos na elogiada atmosfera da ficção de Chico Buarque, caracterizada pela agudeza da observação e a oposição frequente entre o poético e o cômico, os oito contos que formam este volume conduzem o leitor pela sordidez e o patético da condição humana. Com alusões ocasionais à barbárie do presente, o autor ergue um labirinto de surpresas, em que o sexo, a perversidade, o desalento e o delírio são elementos constitutivos da trama. Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque, é um dos maiores nomes da música popular brasileira. Filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, escreveu seu primeiro conto aos 18 anos. Ganhou destaque como cantor a partir de 1966, quando lançou seu primeiro álbum e venceu o Festival de Música Popular Brasileira com a música A banda. Devido à crescente repressão do regime militar do Brasil nos chamados “anos de chumbo”, autoexilou-se na Itália em 1969. Ao retornar ao Brasil, em 1970, foi um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização no país. No início dos anos 1990, lançou seu primeiro romance, Estorvo.

Palavra escrita

Para contar histórias, propagar ideias, denunciar injustiças e desbravar os caminhos do futuro, nada é mais eficiente do que os livros. Fonte de informação e de sonho, eles formam sujeitos e ajudam a erguer as bases da nossa humanidade. Livros são caldeirões de conhecimento e imaginação dos quais emergimos capazes de transformar a nós mesmos e as nossas realidades. Não se trata, definitivamente, de um produto qualquer. O livro é um bem cultural e social – cujo acesso, no entanto, está em risco no Brasil. A reforma tributária pode forçar um aumento de 20% no preço final dos exemplares, impossibilitando que cheguem às classes C, D e E – público que, ao contrário do que alguns acreditam ou querem fazer acreditar, concentra grande parte dos leitores brasileiros. Se, parafraseando Monteiro Lobato, um país se faz com pessoas e livros, que nação é essa que nossos governantes pretendem construir? Organizado por Daniel Louzada, proprietário da icônica Livraria Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro, Livros para Todos (Editora Nova Fronteira) reúne textos de livreiros, editores, escritores, bibliotecários, educadores, jornalistas, pesquisadores e leitores para celebrar a palavra escrita e denunciar a guerra sem trégua contra o livro no Brasil. Daniel Louzada é gaúcho de Pelotas. Não teve livros na infância, e seu contato com a leitura só se deu na adolescência. Comprou seu primeiro livro aos 18 anos, em um sebo de Porto Alegre, ao entrar na faculdade de história.

Pensamento alternativo

Em A Gramática do Tempo (Editora Autêntica), Boaventura de Sousa Santos apresenta uma visão panorâmica das propostas epistemológicas e de teoria social crítica que viriam a aprofundar-se e a condensar-se posteriormente em outras publicações. Ele se propunha a lançar os fundamentos de uma nova cultura política que permitisse voltar a pensar e a desejar a transformação social e emancipatória, ou seja, o conjunto dos processos econômicos, sociais, políticos e culturais, tendo por objetivo transformar as relações de poder desigual em relações de autoridade partilhada nos seis espaços-tempo: o doméstico, o da produção, o do mercado, o da comunidade, o da cidadania e o mundial. A amplitude desse projeto mostra que o que está em causa é muito mais que construir alternativas. Trata-se, antes de tudo, de construir um pensamento alternativo de alternativas. A nova cultura política desenhada a traço grosso neste livro é simultaneamente o produto e o produtor desse pensamento alternativo. Alguns dos temas receberam novas versões em publicações subsequentes, enquanto outros têm aqui a melhor formulação do seu pensamento até hoje. Esta nova edição conta com capítulos inéditos que discutem os caminhos científicos e políticos que Boaventura tem vindo a trilhar. Seus livros mais recentes são O Fim do Império Cognitivo: a afirmação das epistemologias do sul (Autêntica, 2019) e O Futuro Começa Agora: da pandemia à utopia (2021).