Março, 2023 - Edição 289

Acadêmico Marco Lucchesi assume presidência da Fundação Biblioteca Nacional

Convidado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, para presidir a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) – a mais antiga instituição cultural do país e oitava do mundo – o imortal Marco Lucchesi, de 59 anos, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) por quatro mandatos, não medirá esforços para fortalecer a aliança entre a Biblioteca e a democracia, promovendo inclusão e diversidade. Esses propósitos, aliás, estão presentes em sua trajetória há muitos anos. Desde 2001, o autor de O Bibliotecário do Imperador mantém visitas regulares a presídios. Tudo começou após receber a carta de um detento, pedindo livros. “A literatura é a irmã da liberdade”, ensina com sabedoria. Movido pelo compromisso com o diálogo, o acadêmico notabilizou-se na presidência da Academia Brasileira de Letras (2018- 2021) por intensificar projetos sociais. Nos últimos anos, liderou doações de livros para prisões, terras quilombolas, comunidades, aldeias e povos ribeirinhos na Amazônia. Autor de quase 50 livros, dominando mais de 20 idiomas, a pluralidade é a marca do seu extenso currículo. Premiado poeta, escritor, romancista, ensaísta, tradutor, historiador, professor titular da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o novo presidente possui uma relação muito antiga com a Biblioteca, não só como amante dos livros, mas também como profissional de letras. Foi editor da revista Poesia Sempre, criada pelo então presidente Affonso Romano de Sant’anna, em 1991, e fez edições de obras raras como colaborador. De volta ao país no comando da Casa, soma esforços vigorosos na recuperação da confiança nas instituições republicanas, visando torná-las mais abertas e democráticas: “A república dos livros e os livros da república”, sentencia, garantindo: “Não é jogo de palavras, é compromisso.” O acadêmico estava cumprindo um ano sabático como pesquisador visitante da Universidade de Nápoles, na Itália, quando recebeu o convite do governo brasileiro. A volta para casa, em Niterói, foi antecipada com a promessa de tempos melhores: “Esse é um momento em que o Brasil volta a sorrir. Compreendemos que a agenda política tem lugar para o sonho. Não é mais possível uma política em que não haja uma perspectiva de concreção da utopia.” Instituições como a Biblioteca Nacional ajudam a construir a ideia de um imaginário polifônico brasileiro, com toda a diversidade que aqui existe. Substituindo o cientista político Luiz Carlos Ramiro Jr., cuja passagem de sete meses na presidência da FBN ficou marcada pela decisão de entregar a Medalha da Ordem do Mérito do Livro ao ex-deputado federal Daniel Silveira, Lucchesi retorna à instituição reconhecendo o trabalho das gerações de funcionários que dedicaram suas vidas ao espaço: “Os funcionários são de grande competência. A instituição é como se fosse uma verdadeira cidade, que se organiza, cria interfaces.”



Desafios



Os desafios começam pelo espaço. Pela legislação, a Biblioteca Nacional tem o dever de recolher livros, conservá-los, criar metadados e difundir informações. Entre os projetos mais imediatos da nova gestão estão ampliar a digitalização, cuidados maiores com o acervo, tanto físico, quanto digital, conquistar novos espaços e avançar na construção da Hemeroteca Brasileira. Embora existam múltiplos suportes no mundo contemporâneo, Lucchesi defende a expansão cada vez maior do universo digital: “Isso é inerente a uma ideia democrática do que seja uma biblioteca pública nacional. Ao contrário do que muitos dizem, acredito que as bibliotecas se tornem mais importantes à medida que elas produzem cada vez mais metadados sobre os livros, quando elas indicam hierarquias possíveis de conhecimento, o que é o caminho. Enfim, vejo como um papel fundamental essa transformação do mundo físico para o digital.” Apesar da agenda intensa, os planos literários do acadêmico não param. Lucchesi lançou, em fevereiro, duas traduções de poetas turcos: Yunus Emre (Caderno Azul) e Tozan Alkan (Babel). Esse mês, sai, pela editora Rua do Sabão, seu novo romance epistolar – uma novela intitulada Marina, passada na década de 1980. Disciplinado, não vai abandonar os alunos. Continuará lecionando e orientando as teses de mestrado na UFRJ. Entre os planos institucionais, tem como meta expandir o diálogo e ampliar a troca de experiências. Estão em pauta internacionalizar a FBN numa série de acordos e protocolos e retomar a presença nas feiras internacionais de livros: “A Biblioteca Nacional já tem acordos e protocolos internacionais, mas a nossa meta será de ampliar o diálogo, sobretudo, estreitando os laços com a América Latina, numa troca de vivências e soluções. É importante não perder a perspectiva continental.” Além de mais investimentos na conservação do acervo, a ampliação dos espaços não sairá do foco: “Hoje são publicados cerca de 1 milhão de livros, por ano, no Brasil. Nós precisamos ampliar espaço para não só ter a possibilidade de acolher os leitores, que precisam ter o conforto necessário para a atenção de suas leituras, mas também para que os livros fiquem guardados com segurança.” Cursos, seminários e uma série de atividades de inclusão também fazem parte do planejamento. Visitante contínuo de bibliotecas pelo mundo, não só para conhecer, como para pesquisar, Lucchesi defende um local que acolha, generosamente, todos os cidadãos: “A Biblioteca Nacional é patrimônio do Brasil. Nós precisamos democratizar e acolher. Não há outro caminho no país que não passe pela justiça social, pelo acolhimento, pela promoção da cultura e da paz.”



Biografia



Filho de Elena Dati e Egidio Lucchesi, Marco Americo Lucchesi nasceu no dia 9 de dezembro de 1963, no Rio de Janeiro. A partir de oito anos, morou em Niterói. Foi matriculado no Colégio Salesianos de Santa Rosa. Estudou piano até os vinte anos com a professora Carmela Musmano e canto com o professor Domenico Silvestro. Primeiro brasileiro de uma família italiana da Toscana, os versos da Divina Commedia e de Orlando Furioso fazem parte da memória de sua infância. Precoce, suas primeiras publicações foram feitas na adolescência. Em sua ampla produção, contemplada por diversos prêmios, destacam-se: Sphera, Meridiano Celeste e Bestiário e Clio (poesia); O Dom do Crime, O Bibliotecário do Imperador e Adeus, Pirandello (romances); Saudades do Paraíso e Os Olhos do Deserto (memória); A Memória de Ulisses e O Carteiro Imaterial (ensaios). Traduziu diversos autores, dentre os quais, dois romances de Umberto Eco. Graças ao amplo conhecimento de idiomas, criou uma língua artificial denominada “laputar”. Sétimo ocupante da cadeira nº 15, eleito para a ABL em 3 de março de 2011, na sucessão do Padre Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Professor titular de Literatura Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), formou-se em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e recebeu os títulos de mestre e doutor em Ciência da Literatura, pela UFRJ. Realizou estágio de pós-doutorado, Capes/Daad, no Petrarca Institut da Universidade de Colônia, Alemanha, centrando sua pesquisa na filosofia do Renascimento. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi professor- -visitante da Fiocruz, das universidades de Roma II, Tor Vergata, de Craiova, na Romênia e de Concepción, no Chile. Seus livros foram traduzidos para o árabe, romeno, italiano, inglês, francês, alemão, espanhol, persa, russo, turco, polonês, hindi, sueco, húngaro, urdu, bangla e latim. Em 2016, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Tibiscus, de Timisoara, e, em 2020, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Aurel Vlaicu de Arad. Ministrou palestras pelo Brasil e em diversas universidades no mundo. Editor das revistas Poesia Sempre, Tempo Brasileiro (de 2007 a 2015) e Mosaico Italiano (de 2005 a 2008), entre 2012 e 2017 foi diretor da fase VIII da Revista Brasileira da ABL, tendo coordenado a publicação dos números 70 a 93. Membro do conselho da Editora da UFRJ (2016-2020), assim como de várias revistas científicas e literárias no Brasil, na América Latina e na Europa, presta diversas consultorias e preparou originais para as editoras Record, Nova Fronteira, Nova Aguilar, José Olympio, Civilização Brasileira e Bem-Te-Vi. Notabilizou-se também dentro do setor de Coordenação Geral de Pesquisa e Editoração da Biblioteca Nacional, responsável pela edição de catálogos e fac-símiles no período entre 2006 e 2011. Foi membro do Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura (2015-2017) e editor das coleções Espelho do Mundo e Memórias do Futuro, editora Rocco. Colunista do Jornal de Letras (Lisboa), da revista Humanitas (mensal), Off The Record (Santiago de Chile) e do jornal Comunità Italiana, foi também colunista mensal da revista Filosofia, Ciência e Vida, colunista mensal em O Globo, de 2010 a 2018, e de outros periódicos no Brasil e no exterior. Foi dramaturgo em montagens teatrais cariocas; organizou seminários para o Centro Cultural Banco do Brasil e a Funarte, assinou a curadoria de exposições na Biblioteca Nacional, Câmara dos Deputados e Museu Vale do Rio Doce. De 2014 a 2021, foi responsável pelo programa Música de Câmara, na ABL. Atuante em defesa dos direitos humanos, como sua constante presença em comunidades e prisões cariocas, em 2017, foi homenageado com o nome de duas bibliotecas, ambas no Complexo Penitenciário de Bangu 4. Em 2018, recebeu também o nome da biblioteca do Colégio Salesiano Santa Rosa, Niterói, onde foi aluno no Ensino Médio. Pertence a diversas instituições, dentre as quais se destacam a Academia das Ciências de Lisboa (sócio correspondente); Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Académie de la Latinité, Accademia Lucchese di Scienze, Lettere e Arti (sócio correspondente); Academia Paraguaya de laLengua Española (sócio correspondente), entre outras.

Por Manoela Ferrari