Setembro, 2022 - Edição 283

Academia Brasileira de Letras celebra 125 anos como guardiã dos saberes do país

Com o lema Ad Immortalitatem (“rumo a imortalidade”), a mais nobre instituição da nossa literatura comemora 125 anos, todos em prol da memória cultural do país. A Academia Brasileira de Letras (ABL) nasceu, oficialmente, no dia 20 de julho de 1897, numa sala do museu Pedagogium, na Rua do Passeio, onde seu primeiro presidente, Machado de Assis, fez um breve pronunciamento. O Brasil acabara de chegar à era republicana e vivia grandes transformações. Nascida à margem de rupturas, a instituição carrega, em seu gene embrionário, a capacidade de regeneração e superação, com o respaldo de uma histórica pujança intelectual cujo enredo resiste em ser esgotado.


Inspirada na Academia Francesa, o primeiro secretário, Rodrigo Octavio, reuniu a memória histórica dos atos preparatórios da ABL, que vinham se realizando desde 1896, e o secretário-geral, Joaquim Nabuco, fez a homologação inaugural. No estatuto, o objetivo estava bem definido: “a ABL tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional.” O discurso de Machado de Assis fixou, de forma definitiva, o início de uma nova era para a cultura nacional: “O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual essa se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles o transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira.”

Eis os primeiros membros: Araripe Júnior, Artur Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay. Também Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat e Valentim Magalhães, também presentes às sessões anteriores, e ainda Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero, Urbano Duarte, Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo, Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça.
Os Estatutos foram assinados por Machado de Assis, presidente; Joaquim Nabuco, secretário-geral; Rodrigo Otávio, 1º secretário; Silva Ramos, 2º secretário; e Inglês de Sousa, tesoureiro.
Conjugando saberes diversos do cenário cultural, político e social, parte essencial do imaginário nacional se reforça através dos acadêmicos que, desde então, ajudaram a pavimentar o papel da instituição como guardiã e promotora do pensamento humanista. A Casa de Machado, como ficou conhecida, continuou a receber representantes de diferentes áreas, da Filosofia ao Direito, da Sociologia à Medicina, da Economia à Religião (entre os quatro prelados acadêmicos, Dom Silvério Gomes Pimenta, o primeiro arcebispo negro do Brasil)


Em 1923, o governo francês doou à ABL o prédio, réplica do Petit Trianon de Versailles, construído no ano anterior para abrigar o pavilhão da França, na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro. Primeira sede própria da Academia, o prédio funciona até hoje como local para as reuniões regulares dos acadêmicos e para as Sessões Solenes comemorativas e de posse de novos membros da ABL. Para alguém se candidatar é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário.
Nas solenidades, à semelhança da Academia Francesa, os imortais brasileiros envergam o fardão, vestimenta verde escuro com folhas bordadas a ouro, que tem como complemento um chapéu de veludo negro com plumas brancas e uma espada. As acadêmicas, que passaram a integrar a Casa de Machado de Assis em 1977, usam um longo e reto vestido de crepe, na mesma tonalidade do fardão, também com folhas bordadas a ouro. Em 1996, a acadêmica Nélida Piñon, quinta ocupante da Cadeira 30, eleita em 27 de julho de 1989, na sucessão de Aurélio Buarque de Holanda, tornou-se a primeira mulher, em 100 anos, a presidir a Academia Brasileira de Letras, no ano do seu I Centenário.
Em 20 de julho de 1979, na presidência do acadêmico Austregésilo de Athayde, foi inaugurado o Palácio Austregésilo de Athayde, na Avenida Presidente Wilson, ao lado do Petit Trianon. O objetivo era construir um prédio moderno que, no futuro, se tornasse base sólida do patrimônio da Academia, além de fazê-lo instrumento de promoção da cultura sobre toda a nação brasileira. Para tal, obteve doação do governo do terreno onde abrigava o Pavilhão Inglês, na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil. Atualmente, parte do Palácio Austregésilo de Athayde é espaço para atividades culturais e local onde se situa a Diretoria e a Biblioteca Rodolfo Garcia.



Resistência



Aberta a todos os saberes, intérprete do substrato cultural que nos modela, a Academia tornou-se a casa tanto da literatura quanto da excelência científica (de Osvaldo Cruz ao neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho). Também marcaram presença intelectuais que fizeram a história da imprensa no país, como os jornalistas Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, e Roberto Marinho, do Globo. Neste ano, juntaram-se aos quadros da Academia dois grandes artistas, mostrando um esforço da instituição em democratizar e popularizar os ocupantes de suas cadeiras: a atriz Fernanda Montenegro, que tomou posse em março, e o músico Gilberto Gil, em abril. Em comum, todos reúnem a salvaguarda da arte e do pensamento humanista, além do espírito de resistência civilizatório.
Com 40 membros efetivos e perpétuos, e 20 sócios correspondentes estrangeiros, equilibrada entre tradição e modernidade, a Casa de Machado foi mantendo os valores de sua fundação, com devoção ao empenho memorialístico, insurgindo-se contra o esquecimento que, eventualmente, se abate sobre a consciência histórica. O tempo passa, mas as páginas escritas pelos acadêmicos têm vida própria. Não morrerão nunca. Um legado que eleva e credencia, junto às novas gerações, a própria história do nosso país

Por Manoela Ferrari