Abril, 2020 - Edição 254

Paulo Niemeyer Filho

Em busca de livros seguidos

Por Manoela Ferrari

Acompanhando esse momento de exceção, com a pandemia de Covid-19 impondo-nos tantos transtornos e mudanças de hábito, o Jornal de letras presta uma homenagem a todos os profissionais da área de saúde, apresentando, em nossa reportagem de capa, o perfil de um médico nacionalmente admirado por todos. Paulo Niemeyer Soares Filho é considerado um dos melhores neurocirurgiões do país.

A entrevista, concedida ao acadêmico Arnaldo Niskier, para o Programa Identidade Brasil (transmitido pelo Canal Futura), foi realizada antes da pandemia que assolou a humanidade. Trouxemos para esta edição, em destaque nas páginas centrais. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina, ocupante da Cadeira 33, eleito em 2001, nosso homenageado é filho do lendário neurocirurgião Paulo Niemeyer (1914-2004), pioneiro da microneurocirurgia no Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), Paulo Fº escolheu a medicina ainda adolescente. Foi o único de seis irmãos a se interessar pela profissão.

Nascido em 09 de abril de 1952, no Rio de Janeiro, aos 17 anos, entrou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde graduou-se, em 1975. A seguir, iniciou sua residência em Neurocirurgia na Clínica Neurocirúrgica Dr. Paulo Niemeyer, na Casa de Saúde Dr. Eiras. Quinze dias depois de formado, com 23 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar neurologia na Universidade de Londres.

Dedicou seu primeiro ano de Residência ao estudo da Neurologia e Neurorradiologia, no The National Hospital for Nervous Diseases, Institute of Neurology, University of London, Queen Square, onde estagiou como Post-Graduate Fellow. De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola Paulista de Medicina.Em 1977, foi nomeado Chefe do Serviço de Neuro-Tomografia Computadorizada da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Em 1978, foi contratado como médico Neurocirurgião do Hospital Municipal Souza Aguiar. Em 1979, introduziu, no Brasil, nova técnica microcirúrgica para tratamento de nevralgia do trigêmio, que teve a oportunidade de aprender na University of Gainsville, na Flórida. Ao final de 1979, foi nomeado Diretor do Instituto de Neurocirurgia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.

Em 1980, após exame de seleção, obteve o Título de Especialista em Neurocirurgia, outorgado pela Associação Médica Brasileira e Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Em 1982, foi aprovado, em exame de seleção, como Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Em 1983, foi nomeado Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Neurocirurgia da Fundação Carlos Chagas. Neste mesmo ano, foi nomeado Chefe do Serviço de Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina, aprovado pela banca examinadora. Em 1984, completou o curso “The Use of Lasers in Neurological Surgery”, realizado no Mayfield Neurological Institute, Cincinnati, Ohio, sob a direção do Prof.John Tew.

Em 1984, como Membro Fundador, foi eleito presidente da Sociedade de Neurocirurgia do Rio de Janeiro e membro do Conselho Superior da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Foi eleito Irmão da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, em 1985. Em 1986, realizou concurso para Professor Titular de Neurocirurgia da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio, tendo sido aprovado em 1º lugar. Em 1987, foi aprovado como Membro Internacional da Sociedade Norte-Americana Congress of Neurological Surgeon. Em 1989, foi eleito Membro do Neurotraumatology Committee do Word Federation of Neurological Societies. Foi vice-diretor da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio, nos biênios 1992-1994 e 1994-1996. Diretor da Escola Médica de PósGraduação da mesma instituição, nos biênios 1996-1998 e 1998-2000.

Atualmente, é diretor Médico do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IEC) e membro do Conselho da Fundação do Câncer. Em 2014, venceu o prêmio Faz a Diferença, do jornal O Globo, na categoria Rio, pelo trabalho no Instituto Estadual do Cérebro. Inaugurada em julho de 2013, com 7 000 m2, 44 leitos e nove ambulatórios, a unidade é o primeiro hospital público do país voltada exclusivamente para o tratamento neurocirúrgico de doenças do sistema nervoso central, como tumores, doenças vasculares e doença de Parkinson, utilizando técnicas inéditas na rede pública.

Motivo de orgulho para o diretor, o IEC vem avançando na área de pesquisa, na formação acadêmica e na expansão das instalações. Voltado para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o hospital já virou referência nacional na especialidade, quebrando o paradigma de que a saúde pública tem de ser ruim. O reconhecimento alcançado, em parte, deve-se à credibilidade que o médico conquistou ao longo das quase quatro décadas dedicadas à neurologia. Em seu currículo, constam sólidas passagens pela chefia de serviços da Santa Casa da Misericórdia e da Beneficência Portuguesa, além do atendimento em seu consultório, na Gávea. Por suas mãos, já passaram personalidades como o cantor Herbert Vianna, o ator e diretor Paulo José, a atriz Malu Mader e o diretor de cinema Fábio Barreto.

Trabalhando mais de doze horas por dia, Paulo Niemeyer Filho defende que os check-ups médicos devem incluir o cérebro. Lidar diariamente com a possibilidade da morte não é tarefa fácil. Por causa disso, aprendeu a dar pouco valor às coisas do cotidiano e a priorizar as relações humanas. Amante da literatura, costuma revelar que a única coisa que o relaxa é a leitura, que tem a capacidade de tirá-lo da realidade: “Nas tardes de domingo, me deito no sofá da biblioteca e não saio mais. Fecho as portas e desapareço. Quando saio, parece que dormi três dias seguidos”, explica Paulo, que gosta de livros que têm relação com sua profissão (especialmente na área da psicanálise), além de romances históricos e biografias.

Eventualmente, organiza em sua casa grupos de estudo em torno da obra de autores, como James Joyce e Marcel Proust. Mas, em tempo de Coronavírus, os grupos estão temporariamente adiados. A melhor opção de lazer do renomado cirurgião, quando lhe sobra tempo, é o livro, capaz de estabelecer uma conexão íntima com os sonhos. Em tempos sombrios como os que temos vivido, é fundamental reconhecer algum lugar onde se encontra a esperança.

Foi justamente a esperança, aliada à empatia, capacidade de trabalho e competência que levaram o presidente do Instituto Estadual do Cérebro a disponibilizar todos os 44 leitos de CTI do hospital, no Rio, para infectados pelo coronavírus. Seus laboratórios passarão a fazer 200 exames de diagnósticos do COVID-19, por dia. Em total apoio à necessidade da quarentena, o médico fechou o consultório particular, com exceção somente aos casos emergenciais. Vai se dedicar, integralmente, ao atendimento de pacientes vítimas da pandemia. Compaixão e ciência de mãos dadas para virar essa terrível página.
A generosidade de Paulo Niemeyer Filho não está somente à “flor da pele”, como afirma sua esposa, Bebel. Está na alma, que corre “em busca do tempo perdido”.


Entrevista com Paulo Niemeyer transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil , apresentado, no Canal Futura

por Arnaldo Niskier

Instituto do Cérebro



Arnaldo Niskier: Paulo Niemeyer Filho é, seguramente, o maior neurocirurgião brasileiro em atividade. É herdeiro muito competente do que representou para a medicina brasileira o seu pai, Paulo Niemeyer. Queria que você nos contasse como vai o chamado Instituto do Cérebro?

Paulo Niemeyer Filho: O Instituto do Cérebro é um sonho antigo que acho que todos os especialistas gostariam de poder realizar nas suas áreas. Foi uma iniciativa do governo do Estado de fazer um Centro de Referência para as doenças neurológicas que necessitem cirurgia de alta complexidade. Temos no Estado uma rede de urgência muito boa, quer dizer, as pessoas sofrem um acidente, sabem para onde têm que ir. Quando têm uma doença neurológica mais complicada que exija uma cirurgia mais sofisticada, isso não tinha no serviço público, então o Instituto veio suprir esse espaço.
E também com a tecnologia cada vez mais cara, é muito difícil você ter em todos os hospitais todos os equipamentos, então você concentra isso num Centro e traz os profissionais mais experientes, e consegue fazer ali um Centro de excelência que atenda a população. Então o Instituto do Cérebro foi um sucesso, está funcionando já há seis anos e meio, temos ainda apenas a Unidade de Terapia Intensiva, são 44 leitos de CTI e, com esses 44 leitos, fazemos 1.200 cirurgias por ano.

Existem outros institutos do cérebro, mas que são de pesquisa, de neurociências, mas não que tenham cirurgia ou que tratem os pacientes. Agora vamos entrar na segunda fase de instalação do Instituto, que é a inauguração de um prédio onde vamos passar para cem leitos, e acho que aí vamos para mais de duas mil cirurgias. É lá junto, no mesmo lugar onde já funcionamos. Tinha uma área grande de estacionamento, foi feito um prédio ali, então agora vamos ter mais 60 leitos de enfermarias normais, dois andares só dedicados a crianças, e com isso vamos ampliar o escopo, os diagnósticos que recebemos e vamos aumentar ainda mais...
Temos uma parceria, quer dizer, o Instituto já tem uma parceria, entre aspas, tem um convênio com o Ministério da Saúde, e o Ministério da Saúde aporta também uma parte do orçamento do Instituto e já estamos recebendo, apesar de ser um Instituto estadual, pacientes do Brasil todo e fazendo cirurgias que não se fazia no serviço público, como cirurgia intrauterina, por exemplo. Então, se o feto é identificado pelo ultrassom, para ter uma doença que possa ser tratada precocemente, aquela mãe vai para o Instituto, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o útero é exteriorizado, abre-se o útero, opera o feto, fecha, põe de volta e aquilo permite, então, que muitas crianças que nasceriam com sequelas possam ter um bom desenvolvimento.

Arnaldo Niskier: Como é que se descobre a sequela antes?

Paulo Niemeyer Filho: Pelo ultrassom. As mães fazem aqueles exames de rotina da gravidez e, muitas vezes, observa-se que há um defeito no fechamento da medula, na coluna, por exemplo. Se aquilo não for corrigido até o quinto mês, a criança vai nascer paraplégica de maneira definitiva. E, corrigindo, fazendo a cirurgia nesse período, no máximo até o quinto mês, tem ali uma janela de tempo para fazer, você consegue reduzir mais de 50% os casos que vão ter sequela. É uma cirurgia que faz uma diferença enorme, mas que exige treinamento, equipamento, material, cirurgiões treinados. Isso não pode ser feito em todos os hospitais, então é preciso que haja um Centro de excelência.

Arnaldo Niskier: Esses equipamentos são brasileiros?

Paulo Niemeyer Filho: A maior parte é importada. Hoje, com a globalização, cada um faz uma parte, então o microscópio vem de um lugar, outro instrumento vem de outro, algumas coisas são nacionais. Temos, por exemplo, lá um equipamento que se chama GammaKnife, que é um aparelho de radiocirurgia. Ele faz uma radiação com uma precisão milimétrica, e esse aparelho só serve para o cérebro e é o único do serviço público no Brasil. Conseguimos essa doação que veio para o Instituto, e é outro exemplo, não se pode ter um GammaKnife em todos os hospitais, então você tem que ter um Centro de referência, como é o Instituto do Cérebro, para colocar esses equipamentos mais dispendiosos, mais especializados e que atendam a todos. Recebemos pacientes de todos os recantos do país para fazer tratamento com GammaKnife. Estamos trabalhando há seis anos, mas temos recebido até rapazes que vêm de outros países vizinhos para fazer treinamento, temos lá residência médica, pós-graduação, mestrado, doutorado, com parcerias com universidades, então todo esse volume de trabalho é transformado em ensino, em conhecimento, em pesquisa, publicações. Então é uma atividade muito grande que se exerce no Instituto.

Arnaldo Niskier: Você tem experiência de ter se formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Paulo Niemeyer Filho: Minha formação foi na Universidade Federal, depois fiz uma pós-graduação em neurologia na Inglaterra, quando voltei ainda fiz dois anos de neurorradiologia, que é a parte diagnóstica, para depois então começar a cirurgia com meu pai na Santa Casa. E, durante muitos anos, até uns seis anos atrás, que exatamente coincidiu com a abertura do Instituto, trabalhei na Santa Casa.

Arnaldo Niskier: Então a formação nas escolas médias é boa? É de boa qualidade?

Paulo Niemeyer Filho: Como todas as outras áreas também. Você tem universidades melhores, outras não tão boas e, enfim, se questiona o excesso de faculdades de medicina, mas de maneira geral... Acho que há um excesso, acho que deveria se optar um pouco mais pela qualidade. Porque o que acontece é que hoje há uma necessidade de especialização, porque o conhecimento médico é muito grande, não há como ter uma pessoa que saiba tudo o que acontece, então é preciso que haja especialidades e, para isso, os médicos têm que fazer a residência médica. Quando termina a faculdade, que é o primeiro conhecimento geral que se tem, ele tem que se especializar numa residência...

Arnaldo Niskier: Você acha que hoje no Brasil, afora o seu Instituto, tem muitas pesquisas de valor no Brasil todo?

Paulo Niemeyer Filho: No Brasil todo. Mesmo na área de neurociência, temos institutos do cérebro importantes em São Paulo, em Porto Alegre, no Rio Grande do Norte, fazendo pesquisas de neurociências, desenvolvendo memórias e estudos de memórias, estudos cognitivos, enfim, o funcionamento do cérebro de maneira geral. São institutos que se dedicam exclusivamente a esse tipo de pesquisa e vão acabar desenvolvendo alguma coisa que vai fazer a diferença. É questão de tempo.

Arnaldo Niskier: Alguém me disse, não foi você, que você está escrevendo um livro. Talvez isso tenha sido contado pela sua esposa Bebel para minha mulher Ruth;elas são muito amigas. Mas o que existe de verdade nisso? Você está escrevendo um livro? Paulo Niemeyer Filho: O médico onde chega tem sempre um curioso que gosta de medicina, que assina revistas médicas e quer conversar um pouco, então estamos sempre contando histórias e casos. Eu disse: vou botar isso escrito, botar no papel um livro que não seja exatamente para médicos, um livro para quem tem curiosidade na área médica. Então escrevi um livro sobre o cérebro, falando como se fosse um passeio ali pelo cérebro, falando das várias áreas do cérebro, lobo frontal, por exemplo, onde ele fica localizado, como funciona, para que serve, que diferença ele fez, e conto alguns casos clínicos que operei, de experiências pessoais que ilustrem aquilo que acabei de explicar, ou, às vezes, começo com um caso, depois explico por que aconteceu aquilo. Ficou bastante interessante. Um livro para distração.

Arnaldo Niskier: É o seu primeiro livro?

Paulo Niemeyer Filho: É o segundo. O primeiro foi uma coisa mais para jovens, uma série que era para quem quer ser médico, quer ser advogado, então fiz um livro, Quero Ser Médico, para o estudante que não sabe como vai escolher a profissão, então conto ali naquele primeiro livro como decidi fazer medicina, como foi a experiência, enfim, falo um pouco do que é a carreira médica.

Arnaldo Niskier: Então podemos confiar que o Instituto do Cérebro vai se desdobrar cada vez mais, inclusive em pesquisas fundamentais para o conhecimento científico.

Paulo Niemeyer Filho: O Instituto está indo muito bem, vai dobrar o movimento agora com esse prédio novo. Temos outras pesquisas em andamento que vão fazer muita diferença, como a que se chama agora de biópsia líquida: numa amostra de sangue fazer o diagnóstico de um tumor cerebral, por exemplo. Estamos fazendo essa pesquisa também. Esses tumores liberam fragmentos do DNA no sangue e esses fragmentos podem ser identificados, e através desses fragmentos saber se a pessoa (num check-up de rotina quando faz exame de sangue) tem um tumor cerebral ou não. Isso também vai fazer grande diferença quando puder ser aplicado em grande escala. Enfim, fico muito animado.

Arnaldo Niskier: Torcemos muito pelo êxito de seu trabalho neste importante Instituto de pesquisas do nosso país.