Setembro, 2023 - Edição 295

Uma rendeira nunca está sozinha

Originário da Europa e trazido para o Brasil pelos portugueses, o ofício das Rendeiras de Bilro se espalhou pelo Brasil e no Espírito Santo, onde existem relatos e imagens de mais de um século que registram as rendeiras na Barra do Jucu, Guarapari, Conceição da Barra, São Mateus e Colatina. Essa tradição das rendeiras de bilro teve diminuída sua produção a partir dos anos 1970, e mesmo assim algumas rendeiras continuaram fazendo rendas.

A partir de 2015, iniciou-se na comunidade o trabalho de resgate desta cultura, ampliando o grupo de Rendeiras de Bilros outrora tão atuante. Uma tradição da cultura popular canela-verde que estava quase perdida, digo quase, porque ainda tivemos senhorinhas lideradas pela mestra Dona Rosinha (Rosa Leão Malta), falecida em 2019, responsável por manter nas famílias e nas amigas mais próximas ainda viva essa arte secular de tecer rendas em uma almofada com ajuda de bilros de madeira, alfinetes e linha, que quase sucumbiu devido ao avanço da indústria têxtil.

Coube na histórica Barra do Jucu, paraíso de tantos saberes e fazeres, a retomada fortalecida das atividades das Rendeiras de Bilro por meio do atuante Grupo Barra da Renda, liderado desde 2016 pela incansável e talentosa arquiteta Regina Maria Ruschi, que vem renovando o ofício das rendeiras por meio de cursos e oficinas, tendo hoje no grupo mais de 60 rendeiras, dando destaque municipal e estadual a este patrimônio cultural quase perdido. Importante lembrar um dito popular de que “onde há renda, há rede”, em que nas comunidades de pescadores cabia aos homens a pescaria, enquanto as mulheres teciam, e o lucro aferido se somava à renda para o sustento de famílias numerosas

O “Projeto de Extensão Design Joia – UFES”, por meio do seu Laboratório “LabDesignJoia”, realizou no mês de maio passado uma oficina participativa com as Rendeiras de Bilro do Grupo Barra da Renda, na Barra do Jucu, com a participação também de estudantes de diversos cursos da Ufes e profissionais ligados ao design de produtos, comunicação e marketing, e do ramo de joias. O intuito dessa oficina foi apresentar aos participantes as possibilidades de desenvolvimento de joias a partir da cultura local que envolve a Renda de Bilro, fomentando o seu valor cultural, a produção local, com inclusão social, renda, sustentabilidade e identidade territorial. Este projeto teve a coordenação do professor Marcos Antonio Spinassé.

Desde 2022, as Rendeiras de Bilro de Vila Velha têm aprovada a Lei Municipal nº 6. 646, de autoria do vereador Joel Rangel, sancionada pelo prefeito Arnaldinho Borgo, que institui no calendário oficial do Município o Dia Municipal da Rendeira de Bilro, a ser comemorado anualmente, no dia 20 de julho, data alusiva ao aniversário da grande mestra Dona Rosinha, responsável principal por ensinar esse ofício para um grupo de mulheres que hoje leva a prática à frente, e que ganha cada vez mais espaço e adesão, valorizando as tradições do município. Afinal, uma rendeira nunca está sozinha!

Por Manoel Goes é escritor, curador cutural e diretor no IHGES.