Julho, 2023 - Edição 293

O Ensino Médio: A minha opinião

Os últimos dez anos apresentaram mudanças profundas que incluem transformações na vida social e no trabalho enquanto muito pouco ou quase nada mudou na educação.

O Ensino Médio brasileiro, sem nenhuma identificação com o seu entorno social, não corresponde em qualidade e quantidade às expectativas dos alunos e do mercado de trabalho. Trata-se de uma proposta educacional sem atrativos e sem qualquer terminalidade, até mesmo aquela que por algum tempo a conduziu como processo de preparação para os vestibulares, hoje completamente defasados da realidade do acesso às instituições privadas de ensino superior. Que medidas precisam ser adotadas para adequar os programas de formação de competências no Ensino Médio com as necessidades de preparação para o trabalho? Que etapas devem ser vencidas na construção da passarela que unirá a Educação Básica e Profissional ao mundo competitivo do trabalho?

Os recursos humanos se deparam, por seu turno, com exigências mais rigorosas de desempenho, tanto quanto à sua produtividade como quanto à qualidade decorrente dos parâmetros de competitividade. Na medida em que as profissões técnicas conquistem o seu espaço e o número expressivo de matrículas e conclusões aponta para uma perspectiva de crescimento favorável, o Ensino Médio encontrará uma razão melhor do que a atual quando exerce uma função intermediária sem objetividade entre o Ensino Fundamental e o desgastado Ensino Superior.

Algumas considerações podem ser introduzidas como contribuição isolada ao tema da educação profissional, embora longe de se constituírem em indicações mais profundas. Os custos da educação técnica são elevados em algumas áreas, tais como a saúde, a automação, a ambiental, as telecomunicações, por demandarem investimentos elevados em instalações e laboratórios, na sua manutenção e atualização, na contratação de um corpo docente especializado e que encontra remuneração atraente em outras áreas do mercado de trabalho, enfim cursos que devem ser da alçada de instituições públicas e sérias. Outras áreas tornam-se muito pouco atraentes, para as instituições de ensino técnico, pelo elevado investimento que demandam, como foi dito, e por ser um mercado relativamente restrito, porém importante como os técnicos em manutenção de aeronaves, os técnicos em atividades das usinas nucleares, na geração de energia elétrica, na bioquímica, nos fármacos, etc.

Nos casos citados, as associações de instituições de educação técnica e empresas surgem aparentemente como possibilidades viabilizadoras da oferta destes cursos. Da mesma forma que vem sendo tratada no ensino superior, o exame da concessão de bolsas de estudo, para alguns cursos técnicos estratégicos, poderia ser cogitado pelo Estado. Uma carência identificada reside na formação de professores para a educação técnica, uma vez que a legislação ainda não esclareceu em nível nacional o aproveitamento de profissionais não licenciados das áreas da saúde, tecnológica e outras como docentes. Será necessário rever as normas e ampliar a oferta de programas de aperfeiçoamento e especialização de tais profissionais. Também não ficou clara a norma federal que conduz ao treinamento em serviço para a formação de docentes das áreas citadas.

Há necessidade de que se promovam estudos e pesquisas que conduzam a Matrizes de Necessidades de Formação de Técnicos no Estado principalmente nas áreas altamente especializadas da Petroquímica, da Siderurgia, da Construção Naval, das Montadoras de Veículos Automotivos, nas Usinas de Geração Elétrica, etc. A educação pública, em particular o Ensino Médio, merece uma reflexão mais aplicada e uma reformulação de métodos e processos que garantam uma gestão adequada às imposições da modernidade, rasgando os manuais de uma burocracia esgotada e inadequada diante das realidades desafiadoras dos dias atuais e corrijam o quadro negro de um desempenho incompatível com os mais modestos parâmetros de qualidade e de eficiência. A odisseia educacional exige medidas que acompanhem o progresso das telecomunicações e da informática, que favoreçam a inserção no mercado de trabalho, que reduzam as desigualdades sociais, que respeitem o conceito de cidadania, que façam do trabalho um direito festivo e, não, um castigo.

Uma das grandes questões da atualidade reside na construção de um mercado de trabalho capaz de absorver os numerosos contingentes populacionais por níveis de qualificação em busca de emprego. Não existem mais dúvidas de que o progresso científico e tecnológico e o consequente desenvolvimento tecnológico das nações não mantêm correlação com o crescimento do emprego e, ao contrário, demandam um menor número de trabalhadores e com maior qualificação e conhecimento. No Brasil, as variáveis se tornam mais complexas quando colocadas diante dos indicadores do desemprego e do subemprego que, segundo estatísticas imprecisas, ultrapassam 20 milhões de trabalhadores. Por outro lado, é conhecido o despreparo educacional da força de trabalho brasileira, com deficiências alarmantes de escolarização. O quadro se completa quando associamos conjunturas desfavoráveis e planos recessivos como os atuais, que geram profunda instabilidade no mercado de trabalho e uma estrutura frágil e ineficiente de proteção ao trabalhador desempregado.

Percebe-se que o desafio brasileiro passa por duas vertentes: educação e trabalho, e, em ambas, as presenças da escola e da empresa. De um lado, o setor moderno da economia, demandando profissionais de elevada qualificação, técnicos de nível médio, engenheiros, pesquisadores e operários altamente qualificados em números relativamente reduzidos, cerca de 20% do contingente empregado, quando comparados com os elevados padrões de produção de alta competitividade e de exigências qualitativas dos operários qualificados e dos semiqualificados, que representam cerca de 60% da mão de obra ocupada. O debate sobre o futuro do Ensino Médio e suas dificuldades na educação do nosso Estado têm sido tarefa comum nos tempos recentes e com posicionamentos nem sempre consensuais.

É verdade que vem mal, muito mal há muitos anos e pouco tem sido feito para de algum modo melhorar o seu desempenho. A absoluta falta de objetivos com que é tratado justificaria um trabalho sério de Planejamento Estratégico para definir a sua Missão, Vocação, Pontos Fortes e Fracos, Prioridades, etc. e apontar um programa de recuperação total de suas ações.

Outra questão, relaciona-se com escolas compartilhadas com o Ensino Fundamental de responsabilidade dos Municípios, o que é absolutamente incompatível com os atributos da escola de nível médio e com as diferenças metodológicas e de propósitos de ambas as modalidades. Não tenho receio em afirmar que o ensino público de nível fundamental e médio tem sido importante parceiro, por omissão, da delinquência, da falta de oportunidades de emprego, ao lado dos fracassos dos programas habitacionais, da saúde pública e do saneamento básico. Foi e é instrumento hábil de promoção da pobreza e da miséria.

Como é triste o quadro da educação pública no Brasil e como são tristes os professores abnegados tentando ensinar a tristes alunos. Uma escola pública não pode funcionar por apenas três horas diárias, pois é ridículo imaginar um processo educativo “fast food”. Educar exige tempo, convivência, participação, solidariedade, ensaio e erros. A sociedade democrática baseia-se na formação de um conjunto social heterogêneo com diversidades marcantes, em que o todo predomina sobre o individual, enquanto despoticamente a maioria prevalece. Na educação, a democracia pede respeito às diferenças individuais, ao reconhecimento das inteligências múltiplas, a uma avaliação em que predomine a negociação e não há uma mensuração superada e anacrônica.

Uma proposta que atenda com realidade as funções do Ensino Médio poderia ser um ensino preparatório voltado para três vertentes: o Ensino Superior, com disciplinas específicas; o Ensino Técnico, da mesma forma (disciplinas próprias); e o Ensino Profissional, idem. As três vertentes deveriam ser hierarquicamente equivalentes em seus diferentes destinos profissionais no mercado de trabalho. Cada uma das vertentes demanda um Ensino Médio adequado à sua proposta e aos seus objetivos.

Um engenheiro, um técnico e inclusive um operário qualificado precisam de um Ensino Médio compatível com o conteúdo de sua formação. O Ensino Técnico foi denominado por Dom Lourenço de Almeida Prado, notável educador beneditino, de O Atelier das Mãos, com a propriedade de quem conhece o que recomendava Gustavo Capanema, ou seja, a sua autonomia pedagógica e a condição de equivalência ao Ensino Médio.

Por Roberto Boclin - Doutor em Educação – UFRJ e membro da Academia Brasileira de Educação.