Julho, 2023 - Edição 293

Afonso Arinos e o buriti perdido

Como outros treze colegas, tive a oportunidade de participar do II Encontro de Escritores em Arinos, coordenado pelo poeta e prosador Napoleão Valadares, autor de vários livros, entre eles História de Arinos.

Durante todo o dia 19 de março último, foi fecundo o evento literário, que contou com o apoio do prefeito Marcílio Almeida. Auditório lotado, numerosos estudantes e professores. Além deste amanuense, foram palestrantes os escritores Edmílson Caminha, Marcelo Perrone Campos e Xiko Mendes. Coube-me falar sobre Afonso Arinos e o sertão.

O nome de Arinos figura na geografia de Minas Gerais desde 30 de dezembro de 1962. O escritor que dá nome à cidade é uma das figuras mais importantes da literatura brasileira. Sua obra foi estudada e aplaudida por grandes críticos literários e historiadores da literatura, como José Veríssimo, Afrânio Coutinho, J. Galante de Sousa, Lúcia Miguel Pereira, Mário de Alencar (filho de José de Alencar), Assis Brasil, Alceu Amoroso Lima, Bernardo Élis e outros. Nascido em Paracatu, MG, em 1º de maio de 1868, Afonso Arinos de Melo Franco morou com os pais em Pirenópolis, estudou em São João del Rei e em Goiás Velho (então Villa Boa de Goyaz). Formou-se em Direito em São Paulo, onde se casou com Antonieta Prado.

Desde moço, colaborou na imprensa de Minas, Rio e São Paulo. Fez sua primeira viagem à Europa em 1896. Morou na Paris da belle-époque de Marcel Proust. Vinha sempre ao Brasil, em busca do seu amado sertão natal. Deu aulas em Ouro Preto. Era um homem muito culto, de educação refinada, com uma legião de amigos.

Em 1898, suas histórias sertanejas são publicadas no seu livro mais famoso, Pelo sertão. Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa escreveram, na sua Enciclopédia de Literatura Brasileira: “Na busca da temática brasileira, ao lado dos ciclos do indianismo, do sertanismo, do caboclismo, do cangaço, Afonso Arinos introduziu na ficção o ambiente inóspito e selvático do planalto central. Sua técnica foi a do Realismo, caracterizando-se pela fidelidade e verossimilhança, sem qualquer tendência a estilizar e a fantasiar. Homens, costumes, paisagens do sertão são retratados fotograficamente, com muita segurança e num estilo próprio, destacando-se ainda a reprodução da fala coloquial típica. (…) Em sua obra, é o próprio sertão, é a própria alma sertaneja que se retratam, com a psicologia típica do homem local.”

Mais adiante, prosseguem os autores: “Seu regionalismo é fruto de profunda vivência, acumulada na sua alma desde a infância, num contato com o meio, as matas, as serras, a paisagem, o homem, os costumes. Apesar das viagens, Afonso Arinos manteve as raízes presas ao meio sertanejo nativo e soube ajustar as figuras humanas e as forças naturais. E assim, graças a essa base telúrica, à miragem de todo grande criador, alçou-se com sua obra de contista ao primeiro plano na literatura nacional.”

Além de Pelo sertão, Afonso Arinos publicou os livros Os Jagunços, Notas do Dia, O Contratador de Diamantes, A Unidade da Pátria, Lendas e Tradições Brasileiras, O Mestre de Campo, Histórias e Paisagens. Resultou inacabado o livro Ouro! Ouro! Homem afável, um cavalheiro leal e impecável, tinha Afonso Arinos, na legião de seus amigos, o poeta e cronista Olavo Bilac. Conviveram em tertúlias de camaradagem no Rio de Janeiro.

Durante a ditadura de Floriano Peixoto, Bilac teve de deixar seu Rio para escapar da prisão (como tantos outros). Foi parar em Ouro Preto. A história é contada no livro Crônicas e novelas – 1893- 1894, publicado pela Editora Liberdade, de Ouro Preto, dirigida pelos professores universitários e escritores M. Francelina Silami Ibrahim Drummond e Arnaldo Fortes Drummond. Esse livro conta com primoroso aparato editorial para as saborosas crônicas e novelas de Olavo Bilac. Quando Afonso Arinos entrou para a Academia Brasileira de Letras, em 1901, quem o recebeu foi Olavo Bilac.

A página mais famosa de Afonso Arinos intitula-se Buriti perdido, que releio com frequência. É um antológico conto, com cara de crônica. O buriti perdido, aquela velha palmeira solitária; uns dizem que situada em Paracatu; outros, como Bernardo Élis, dizem que situada em Corumbá de Goiás.

Afonso Arinos escreveu que esse buriti perdido, “cantor mudo da natureza virgem dos sertões”, estaria, um dia, numa “larga praça”. Palavras proféticas, premonitórias, de um brasileiro que viveria apenas 48 anos. Com efeito, hoje temos na nossa querida Brasília, fundada pelo diamantinense Juscelino Kubitschek de Oliveira, uma Praça do Buriti, onde se situa o Palácio do Buriti, sede do Governo do Distrito Federal.

O amigo escritor Silvestre Gorgulho me conta a história do plantio da palmeira na Praça do Buriti. Silvestre Gorgulho foi secretário de Comunicação do governador José Aparecido de Oliveira, que cuidou do tombamento da emblemática “palmeira solitária” no jardim externo do Palácio do Buriti. Foi no dia 30 de maio de 1985, presente à cerimônia o sobrinho de Afonso Arinos, o também escritor e político Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho, membro da Academia Brasileira de Letras e também da Academia Mineira de Letras, na época do presidente Vivaldi Moreira, pai do escritor Pedro Rogério Moreira.

Assim, aquele buriti que uniu e vinculou mais ainda o sertão à nova capital do Brasil foi, graças a José Aparecido de Oliveira, tombado pelo IPHAN. Estava realizada, em pleno Eixo Monumental de Brasília, a intuição/iluminação profética e poética de Afonso Arinos. Lá está, em sua sóbria e singela beleza, o buriti perdido da encantadora página de Afonso Arinos.

Por Danilo Gomes - Membro da Academia Mineira de Letras