Março, 2023 - Edição 290

Sobre linguagem neutra

A gramática é como um edifício, você mexe na parte externa, que é a pintura, que são as palavras, mas não na estrutura, ou seja, na parte interna. As novas palavras ou expressões que nos chegam, na constante evolução da língua, surgem da necessidade que temos de nomear algo que passou a fazer parte da nossa realidade. Os nomes técnicos, as palavras sugeridas por cientistas, especialistas, ou aquelas criadas pelo povo, todas têm igualmente possibilidade de registro. Assim, toda criação linguística, culta ou popular, nasce pela vida intelectual e cultural dos povos. Uma nova palavra ou expressão começa a circular nos dicionários quando se incorpora ao léxico culto ou popular de uma língua, atestando a produção ou reprodução (porque às vezes o termo já existia na língua com outro significado) de novidades linguísticas. Antes de uma nova palavra ser registrada em um dicionário ou vocabulário ortográfico, observamos alguns aspectos:
incípios que regem a formação de palavras antigas e modernas no nosso léxico;
– segundo, se a criação traduz com eficiência a ideia que quis transmitir quem a empregou;
– terceiro, se, para traduzir a mesma ideia, o idioma não dispõe de palavras antigas e mais expressivas; – quarto, se o fato de não existir um termo no dicionário é prova suficiente de que não deva ser criado ou de que constitui um erro o seu emprego.

Outros aspectos como a frequência de uso, a sua presença em textos oficiais, jornalísticos, acadêmicos, etc. e a relevância da palavra para os assuntos debatidos nas universidades e na vida social e profissional das pessoas também são levados em consideração na seleção dos vocábulos e expressões. Em se tratando de estrutura, as regras ortográficas da língua portuguesa e de muitas outras línguas, principalmente românicas, se baseiam em dois princípios fundamentais: o uso e a etimologia.

Por isso, determinados expedientes criados por princípios pessoais não entram na aceitação da ortografia dita oficial, como, por exemplo, a utilização das letras x ou e, propostas por algumas instituições, para explicitar a não determinação de gênero. Você não altera as regras de gênero, assim como não se muda as regras de formação de plural e de conjugação dos verbos. Essa é uma mudança com a qual não é preciso se preocupar porque jamais será aceita totalmente pela comunidade de falantes.

Por Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras.