Fevereiro, 2023 - Edição 288

Entrevista com Natuza Nery

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura

Comentarista política



Arnaldo Niskier: Hoje, uma alegria excepcional. Consegui que a Natuza Nery, que brilhou nessas recentes eleições no comando da Central das Eleições, viesse ao nosso programa e nos desse a entrevista que veremos a seguir. Foi muito cansativa a cobertura das eleições para você?

Natuza Nery: Nossa, foi demais da conta, porque a Central das Eleições foi um programa... Eram três programas por dia, por noite. Nos dias de primeiro turno e de segundo turno, fiquei mais de 10 horas no ar direto, com pouquíssimo tempo para sair correndo, ir ao toalete e voltar, não dava tempo de comer, de telefonar. Eu falava e conversava com as fontes sempre por mensagem.

Arnaldo Niskier: Você deixou seu filho Liam com quem?

Natuza Nery: Com minha mãe. Tenho um filho de 13 anos e uma mãe maravilhosa que mora conosco e graças a ela ...

Arnaldo Niskier: Em São Paulo?

Natuza Nery: Em São Paulo. Consegui ficar quase três meses no Rio, indo pouquíssimas vezes, nos fins de semana, para vê-los. Então, devo a ela um caminhão.

Arnaldo Niskier: O resultado foi uma surpresa para você?

Natuza Nery: Não foi uma surpresa, porque Lula liderou a campanha inteira, não teve um momento sequer em que Bolsonaro estivesse à frente nas pesquisas. Ele passa do primeiro para o segundo turno por uma diferença de 6 milhões de votos.

Arnaldo Niskier: Em termos percentuais era pouco, 4%, mas em número de votos era um bocado, 6 milhões.

Natuza Nery: Era muita coisa. Agora Bolsonaro sempre bom de chegada. Nos últimos dias antes dos dois momentos, primeiro e segundo turnos, ele aumenta de tamanho. Em razão disso, havia uma possibilidade de virar o jogo. Então, não dá para dizer que foi uma surpresa a vitória do Lula, porque ele se manteve não só na liderança, mas no mesmo patamar de intenção de voto o tempo inteiro, não caía.

Arnaldo Niskier: E você acha que é por causa do Nordeste?

Natuza Nery: Não só o Nordeste. Diria que o Nordeste é um símbolo, porque a diferença dele para Bolsonaro era uma distância muito longa, muito comprida, muito difícil de suplantar. O que foi a estratégia do PT? Manter-se forte, ainda que perdendo nas outras regiões do país, evitar que Bolsonaro abrisse a vantagem dele para Lula, por exemplo, no Sudeste e o pé em Minas. Minas foi uma surpresa, inclusive, nessa eleição. A única surpresa na eleição, nesse segundo turno, foi Minas, porque a distância de Lula para Bolsonaro (Lula ganhou em Minas no primeiro turno) foi de 47 mil votos, ou seja, encurtou demais a distância, acredito que algo em torno de cinco pontos. Na reta final, no dia da apuração, a diferença foi muito pequena. Então, o que de fato garantiu a vitória do Lula foi o Nordeste, foi a grande distância que ele tinha para Bolsonaro, no Nordeste.

Arnaldo Niskier: O Sul e o Sudeste acabaram surpreendendo. Esperava-se uma lavagem do Bolsonaro, no Sul e no Sudeste, e não houve. Acho que a campanha do Lula se concentrou nessas regiões, a Simone Tebet dedicou muito tempo a essas regiões. A que você atribui essa virada no Sul e no Sudeste?

Natuza Nery: Acho que a distância de Bolsonaro no Sul e no Sudeste foi uma distância bem confortável. É claro que Lula conseguiu manter algumas estacas fincadas e fincou outras estacas, nessas regiões, em razão dos apoios que teve. O que aconteceu nessa eleição foi algo surpreendente na política que, em todo meu período de cobertura jornalística, não tinha visto. Vi forças que eram adversárias minha vidatoda como jornalista se juntando em favor da democracia, contra Bolsonaro, portanto. Em 2006, fui carrapato do Geraldo Alckmin. O que é o carrapato? É o jornalista que segue um candidato. Para todo lugar que o candidato vai, o carrapato tem que ir atrás. Eu era carrapato de Geraldo Alckmin. Para todo lugar que ele viajava, eu ia. Em 2006, houve um debate em que Alckmin foi muito agressivo, ao contrário da persona dele. Ele é muito educado, muito sereno e, de repente, virou uma fera. Os eleitores não entenderam, não compreenderam e ele acabou perdendo aquele debate pela agressividade. Se alguém me dissesse, em 2006, que anos a frente Alckmin seria vice de Lula, que nome como Simone Tebet ficaria rouca fazendo campanha por Lula, que nomes como Pérsio Arida, Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan, Celso de Melo declarariam apoio a Lula.

Arnaldo Niskier: O resultado afinal era esperado?

Natuza Nery: Era, era esperado, mas não significa que não tivesse emoção e teve muita emoção. No primeiro turno, Bolsonaro foi liderando a disputa, a apuração dos votos até umas 20h30. Às 20h30, Lula e Bolsonaro fazem um X, porque aí vão chegando os votos do Nordeste, por exemplo, pesadamente e Lula acaba ficando cinco pontos na frente de Bolsonaro. Neste segundo turno, o X foi um pouco mais cedo, mas bem perto das urnas apuradas, porque no primeiro turno, com 70% das urnas apuradas, Lula passa à frente. Nesse caso, acho que foi 68, 69% das urnas apuradas. Então, foi uma apuração de muita emoção.

Arnaldo Niskier: A que você atribui a força do Lula no Nordeste?

Natuza Nery: Lula foi um bom presidente para os nordestinos. Os nordestinos têm uma memória importante do Lula e não é só pelo Bolsa Família. As pessoas erram ao atribuir o Bolsa Família à popularidade de Lula no Nordeste. O desemprego era menor, as pessoas viviam bem, o Estado passou a chegar no Nordeste, houve programas, como Luz para Todos. Então, o Lula nordestino que é e tendo vivido, ele tem o sentimento do mundo, da dificuldade que o nordestino passa (ele é de Garanhuns), então ele governou muito para o Nordeste, para os mais pobres do país. E essa memória afetiva do que foi o governo Lula foi o que garantiu essa posição, além do fato de que boa parte dos estados nordestinos era governada por aliados de Lula. Ou por correligionários ou por petistas mesmo, então era uma região em que Lula tinha uma situação muito favorável pelo passado, mas também pela presença de governadores, de prefeitos, ele tinha estrutura ali para fazer campanha. Arnaldo Niskier: Isso explica, com toda certeza. E o Geraldo Alckmin? Ele era uma expectativa de virar o jogo em São Paulo e isso, propriamente dito, não aconteceu. É demérito para o Geraldo Alckmin?

Natuza Nery: Não acho que seja demérito, acho que o Geraldo Alckmin é alguém de muito prestígio ainda no estado, mas prestígio não significa necessariamente voto. São Paulo é um estado conservador, tirando a capital e região metropolitana, o interior é extremamente conservador. Alckmin tinha esses prefeitos, tinha esses eleitores, quando estava no campo conservador. No momento em que passa para o campo progressista e se torna candidato a vice de Lula, ele perde aquele eleitorado que acaba vendo Alckmin como um desertor, por isso que Alckmin, embora tenha trabalhado muito, tenha conseguido...

Arnaldo Niskier: Ele é uma boa figura pública.

Natuza Nery: Mas isso não se converteu em voto ou, pelo menos, em muito voto.

Arnaldo Niskier: Você, como analista política, não acha que ele vai ser muito importante no governo Lula?

Natuza Nery: Não tenho a menor dúvida. Ele não vai ser – como Temer reclamou que era de Dilma – um vice decorativo. Não vai ser porque será chamado... Alckmin é alguém muito discreto, só vai a um lugar se for convidado e Lula já deu todos os sinais de que quer Alckmin ao lado dele, governando junto com ele. Então, Alckmin vai ser uma peça importante no governo Lula, não tenho a menor dúvida. O Alckmin tem um outro valor, que é a lealdade. Ele foi muito leal ao Mário Covas, quando era vice de Mário Covas, foi muito companheiro, quando ele estava doente.

Arnaldo Niskier: Nessas horas, você não acha que o caráter da pessoa pesa muito?

Natuza Nery: Deve pesar, mas acho que o mais importante da chapa Lula/ Alckmin é a amplitude política que ela representa. É o recado e o símbolo de que Lula sabia que precisava ampliar para se manter competitivo, durante o processo eleitoral. Por isso, disse que o que aconteceu nessa eleição, se for cultivado pelos próximos quatro anos dessa amplitude política de Lula mais próximo daqueles que, no passado, eram pessoas adversárias, isso tende a ser transformador na política.

Arnaldo Niskier: Nisso temos que incluir a ex-ministra Marina Silva.

Natuza Nery: Sem dúvida nenhuma. Marina Silva também, assim como Simone Tebet, se engajou muito no segundo turno. Tanto Simone quanto Marina foram para o apoio a Lula e a Alckmin no segundo turno. Simone Tebet, por vezes eu ligava para ela, estava rouca de pedir voto. A Simone Tebet é uma mulher muito íntegra. Assim como Marina, é um símbolo nacional, uma mulher respeitadíssima lá fora. E Marina era alguém que tinha ido embora e que voltou, justamente, porque entendia (segundo ela própria dizia) que, nessa eleição, algo muito maior estava em jogo que era a própria democracia e, no caso da Marina, a preservação da Amazônia.

Arnaldo Niskier: Você disse, numa das entrevistas na Globonews, que essa era uma eleição dos assédios. Houve muito assédio e o assédio nem sempre é bem recebido, bem compreendido, isso aconteceu. Líderes mundiais (anotei pelo menos 15 países) se manifestaram felicitando o Lula pela vitória. O que você acha desse fenômeno depois de tanto tempo em que o Brasil andou mergulhado na escuridão?

Natuza Nery: Eles não só se manifestaram cumprimentando Lula pela vitória, mas o fizeram muito rapidamente.

Arnaldo Niskier: Foi quase que respondendo ao silêncio do próprio Bolsonaro.

Natuza Nery: Joe Biden, por exemplo, soltou uma nota em 40 minutos, uma hora, no máximo. Havia uma preocupação de que Bolsonaro fizesse rapidamente um discurso questionando as urnas. Então, houve dois movimentos importantes: primeiro foi um discurso de Lula, também muito rapidamente, tão logo saiu o resultado, ele rapidamente se dirigiu para o hotel de onde falaria e fez um discurso lido. Um discurso de posse, não era um discurso de vitória.

Arnaldo Niskier: Promessa já de algumas atividades essenciais para a democracia brasileira.

Natuza Nery: E por que foi um discurso de posse? Justamente um discurso de posse para mostrar ao Bolsonaro.

Arnaldo Niskier: Evitar a não posse.

Natuza Nery: Outro movimento importante foi a manifestação desses líderes internacionais – Emmanuel Macron, Joe Biden, muitos países, muitos líderes de países europeus – muito rapidamente.

Arnaldo Niskier: Achei extremamente simpático o gesto do Biden respondendo a Rachel Kranenburg, que conseguiu que ele, depois do pronunciamento, fizesse uma promessa pessoal para ela. Isso é que é uma repórter. Não desiste, ela insiste e conseguiu um pronunciamento exclusivo do Biden para ela.

Natuza Nery: Assim como ela conseguiu no período de Trump também. Ela se enfiava e perguntava até que a autoridade respondesse. Excelente repórter.

Arnaldo Niskier: Você já falou sobre a repercussão internacional favorável a vitória do Lula, mas queria que você comentasse uma coisa profundamente negativa que aconteceu em nosso país, que foi a paralisação das rodovias. Acho uma aberração, depois da eleição, questionar o resultado da eleição prejudicando a população. Quantos voos cancelados por causa disso?

Natuza Nery: Não foram só voos cancelados, as pessoas que estavam nas estradas, idosos, doentes que estavam nas estradas. Houve muito relato de gente passando necessidade, enquanto um grupo bloqueava as estradas, as rodovias e um grupo de bolsonaristas, ou seja, era uma aposta, um caos e que atinge não só os eleitores do Lula como os eleitores do próprio Bolsonaro.

Arnaldo Niskier: Será que esses prejudicados por essa decisão insana de paralisar aeroportos, será que não tem bolsonarista no meio disso?

Natuza Nery: Claro que tem. Foi um bloqueio, uma interdição de bolsonaristas e não compromete só isso, compromete a economia, porque os caminhões com alimentos não passam.

Arnaldo Niskier: E são perecíveis muitas vezes, ou seja, vão ser deteriorados, vão se perder e olha o prejuízo que isso representa.

Natuza Nery: Então, isso afeta a grande empresa, mas também o microempreendedor que já pagou pelo produto que não chega, estraga. É uma ação contra o Brasil. Isso não é algo necessariamente único na história de Bolsonaro na presidência. A pandemia foi isso. Ao não assumir as rédeas do combate a Covid-19, foi um ato contra o Brasil e contra os brasileiros. Ao não comprar a vacina no tempo certo, foi um ato contra os brasileiros. Quantos brasileiros morreram.

Arnaldo Niskier: Não se pode compreender. O Brasil perdeu, desses 680 mil que morreram, pelo menos uns 400 mil poderiam ter sido salvos, se houvesse providências a tempo e a hora do presidente da República, mas ele preferiu essa imagem de presidente do caos. Será que não tem ninguém para dizer a ele que isso é um absurdo?

Natuza Nery: Cobrindo o governo Bolsonaro, essas pessoas do entorno que, em algum momento, tentaram dizer isso eram cortadas, tanto que houve uma denúncia na CPI da Covid do tal gabinete paralelo. Quem de fato influenciava Bolsonaro era um grupo que defendia tratamento ineficaz para combater a Covid. Bolsonaro achava que o melhor remédio para a Covid era a contaminação, para que se atingisse a chamada imunidade de rebanho e, uma vez todo mundo com a Covid, criaria o anticorpo e a vida continuaria igual. Ele tinha muito medo de um tombo, que um tombo na economia fizesse dele um presidente impopular, então ele pensou, num primeiro momento, nele; depois, num segundo momento, nele; num terceiro momento, nele e isso cobrou um preço, ele não foi reeleito.

Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado por Arnaldo Niskier no canal Futura