Os ismos da hipocrisia

O episódio Monark abriu a caixa de Pandora. Diante da comparação entre nazismo e comunismo feita pelo presidente Bolsonaro, o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, declarou à Folha de S. Paulo que “comunismo, até onde eu sei, não chamou para o assassinato de grupos de pessoas e populações”. Realmente, o marxismo não prega o extermínio em massa. No entanto, fatos históricos contrariam o discurso.

Discriminados na Rússia desde a era dos Czares, os judeus continuaram sendo perseguidos pelos bolcheviques após a revolução de 1917. Cerca de 200 mil foram mortos durante da Guerra Civil, segundo estatísticas. Lênin chegou a discursar em defesa deles, mas orientou para que fossem enviados às frentes de batalha e que jamais ocupassem posições administrativas.

Anos depois, o regime stalinista tentou criar um estado judeu na Crimeia e na Sibéria, mas desistiu do projeto. Em 1948, lançou a campanha contra “os cosmopolitas sem raízes”. Vários artistas e autores de literatura iídiche foram mortos ou presos. Além dos judeus, outros povos foram perseguidos na antiga União Soviética. Prova disso foi o Holodomor, termo que significa “deixar morrer de fome”. A partir de 1932, a retirada dos suprimentos de grãos da Ucrânia a mando de Moscou resultou na morte de quase 5 milhões de pessoas de todas as idades. Cadáveres se amontoaram nas ruas e nos campos, outrora cobertos de plantações de trigo. O tema é abordado no impactante filme A sombra de Stálin, em cartaz na Netflix.


Na Polônia e na China

Vale lembrar que foi o pacto Molotov-Ribbentrop que permitiu a ocupação da Polônia pelos alemães, em 1939. Stálin se juntou aos aliados na guerra ao nazifascismo somente depois de ser traído por Hitler, que ordenou a invasão da Rússia. Após a rendição do reich aos soviéticos, em 1945, Berlim ficou isolada e a população só não morreu de fome graças à ajuda dos americanos, que jogavam comida e remédios de paraquedas.

No final da guerra, milhares de poloneses reagiram à ocupação alemã na certeza de serem ajudados pelos russos. Todavia, sob ordens de Stalin, as tropas vermelhas aguardaram o desfecho dos combates, o que permitiu a morte de nacionalistas que poderiam oferecer resistência à ocupação do seu território. Passada a guerra, a Polônia se tornou satélite da União Soviética. Depois de décadas de repressão e de lutas, a constituição polonesa baniu os partidos nazista e comunista, cujos símbolos são proibidos no país.

Enquanto isso, na China, os hans representam 95% da população e seu poder predomina sobre dezenas de outras etnias desde a revolução comunista que levou Mao Tsé-Tung ao poder. A etnia mais reprimida é a dos uigures, de religião muçulmana. A ONU estima que mais de 1 milhão deles estejam detidos em campos secretos no oeste chinês, representando cerca de 10% da população minoritária. O governo define os campos de concentração como “centros de educação vocacional”, cujo objetivo seria afastar os cidadãos do terrorismo e reintegrá-los à sociedade. Contudo, a maioria das detenções é motivada pela prática religiosa. O simples uso de véu ou de barba comprida acende o sinal de alerta dos agentes governamentais.


No Camboja e em Cuba

Na repressão aos uigures, o PC chinês usa um sistema amplo de tecnologia da informação. Hackers a serviço do governo invadem celulares, para gravar ligações, exportar fotos e localizar conversas em aplicativos de mensagens. Outra técnica consiste no reconhecimento facial por meio do sistema integrado de câmeras de vigilância controlado por inteligência artificial. O controle também é feito por meio de exames de DNA.

Outros episódios, em diferentes partes do mundo, comprovam que o comunismo nunca foi um mar de rosas. Não podemos esquecer, por exemplo, a violência do Quemer Vermelho, que assassinou mais de 2 milhões de pessoas de diferentes etnias, no Camboja; ou a Isla de La Juventud, para onde o regime castrista enviava os gays cubanos para serem “reeducados” no início da revolução.

Segundo o economista Ludwig von Mises, membro da Escola Austríaca, 17 dos 25 pontos do nazismo foram inspirados no socialismo. Pontos como a estatização da economia, a centralização do poder nas mãos de um único partido e o controle da informação pelo Estado. Antes de se chamar Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores Alemães, a agremiação tinha o nome de Partido Socialista Alemão. Por essas e outras, não importa a ideologia, nenhum regime ou discurso totalitário deveria ser tolerado.

Por Jorge Fernando dos Santos - Jornalista, escritor e compositor. Tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa, 1989), Alguém Tem que Ficar no Gol (finalista do Prêmio Jabuti, 2014) e Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA, 2015).