Junho, 2021 - Edição 268

Vasco Coutinho, um personagem injustiçado

Alguns pesquisadores e historiadores defendem que Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário da capitania do Espírito Santo, morreu pobre e abandonado. Que lhe faltou um simples lençol para cobrir o seu corpo. Que era viciado em mascar o fumo, hábito aprendido com os indígenas, chegando a ser excomungado pelo bispo Sardinha. Esquecem os que mantêm esta versão, de que não havia necessidade de lençol algum. “O calor tropical era muito grande para o fidalgo europeu, e com certeza ele aprendera também, com os índios, a dormir em redes. Uma versão muitas vezes repetida acaba virando verdade. E depois, para se desmentir, passados séculos, fica muito difícil. Algumas vezes até impossível. Mas assim é a história ou estória da maioria dos fatos e personagens históricas. A história é, na maioria das vezes, uma fabulação, uma fabricação das narrativas de um tempo, escrita por seres humanos, cheios de dúvidas e interpretações equivocadas.

A história tem muito de opiniões por ouvir dizer, com concepções errôneas, formulando críticas que carecem de maior aprofundamento”, afirmam alguns pesquisadores Outros defendem atos de revisionismo histórico, que buscam apagar da memória urbana determinadas personalidades e suas histórias. Vamos retroceder até o Império Romano e destruir a história de Marco Aurélio, em Roma? A democracia grega nasceu na escravatura. Cada caso é um caso, e cada movimento tem seu contexto histórico. Várias gerações foram ensinadas que estes personagens eram pessoas boas, não faziam trabalho sujo em troca de dinheiro e poder. Contribuíram para o crescimento dos países, mas a um custo hoje chamado de racismo ambiental e racial. E aqui no Brasil não foi diferente.

A versão de fracassado cai por terra quando questionamos: “se o donatário Vasco Coutinho iniciou aqui a construção de uma extensão do império português, que deu o nome de Espírito Santo, nome que se mantém até hoje, e mais, ficando em poder da sua família e herdeiros por 140 anos. Como teria sido Coutinho, um fracassado?”

Teve toda sorte de dificuldades, como ocorreu em quase todas as capitanias do Brasil, à exceção das capitanias de São Vicente – SP e Pernambuco, nos primeiros 200 anos, mesmo assim Vasco Coutinho realizou bastante, fez acordos com os índios do Espírito Santo, conseguindo até converter alguns à fé cristã, fundou os primeiros engenhos de açúcar, construiu duas vilas, a Vila Velha e a Vila da Vitória, hoje a capital Vitória. Viajou mais de uma vez à Portugal buscar recursos e colonos para a sua capitania.

Viúvo, conviveu com Ana Vaz, com quem teve o filho de mesmo nome, que lhe sucedeu após a sua morte em 1561. Viveu os seus últimos dias na Praia da Costa, em sua Fazenda da Costa, onde temos o Monte Moreno e a Praia do Ribeiro. A Casa Grande ficava ao lado de onde hoje temos a residência oficial do governador do estado. Ruínas encontradas confirmam esta localização. Foi sepultado o capitão Vasco Fernandes Coutinho na Igrejinha do Rosário, na Prainha, que ele construiu.

A história capixaba é muito digna de comemorações dos seus 486 anos de muita luta e superações, em 23 de maio, data da chegada da comitiva do fidalgo Vasco Fernandes Coutinho na hoje Prainha, em Vila Velha, Colonização do Solo Espírito-santense. Nunca é demais lembrar a etimologia da palavra “comemorar”, que muitos estudiosos pesquisadores insistem em criticar, confundindo com “festejar”. Comemorar é uma palavra de origem latina – commemorare – que significa recordar, rever, trazer à memória, recordar coletivamente. E para fortalecermos a nossa identidade capixaba, temos que trazer à memória coletiva a nossa ancestralidade, origens e cultura histórica, com muitas vitórias e superações, orgulho e pertencimento de sermos capixabas.

Por Manoel Goes Neto - Escritor e subsecretário de cultura de Vila Velha..