Novembro, 2020 - Edição 261

Madame Lindimar Sorralheiro

Agora já consigo rememorar os fatos, cena a cena: por telefone, Alexandra Sampaio Gomes me disse que foi mesmo Madame Lindimar Sorralheiro quem previu o nascimento dos gêmeos, hoje com oito anos. Gilberto e Gilson são, de fato, lindos. Saudáveis, nasceram quando a mãe se aproximava dos quarenta, contrariando todos os médicos. Com a voz embargada, Alexandra relembrou o estado de total desânimo em que se encontrava quando foi ter com a adivinha. “Ela me olhou nos olhos, fixamente, sem pestanejar, e afirmou, com todas as letras: você ficará grávida em setembro, Alexandra. Um pouco antes da primavera.” Dito e feito. Da França, Glória Sanches Botelho reiterou, por e-mail, seu entusiasmo. Afinal, foi Madame a única que acertou, na mosca, o seu casamento com Ana Garrido Fuentes, espanhola de Barcelona, com quem minha antiga colega de faculdade vive há vários meses: “É uma alma catalã, Glória. Uma alma catalã.” Mário Antenor do Vale foi enfático: “Não passa um janeiro sem que eu a visite. Ela é quem me dá as direções para o ano. O que devo fazer e, sobretudo, o que preciso evitar.”

Naveguei na internet em busca de mais referências sobre o trabalho de Lindimar. Senti a necessidade de ler comentários de pessoas que não conheço. Busquei uma visão mais ampliada e diversa sobre a personagem, distinta da que levantei no meu círculo de relacionamentos. A maior parte foi de elogios. Encontrei quem criticasse o pagamento da sessão apenas em dinheiro vivo ou a dificuldade da vidente em aceitar a impontualidade de alguns e a tagarelice de outros: “Ela não nos deixa falar muito. Chegou a me interromper duas vezes. Mandou que eu me calasse. Foi até ríspida.” Uma cliente assídua reagiu: “Lá não é terapia, meu amor. Madame Lindimar sabe o que faz. E precisa de silêncio, de concentração.”

Sim, foi depois de uma semana que finalmente resolvi solicitar um horário em sua agenda, mesmo sabendo que certamente seria preciso esperar um ou dois meses até ser atendido. As consultas sempre foram agendadas diretamente por ela, nas segundas-feiras, entre três da tarde e oito da noite. Fiz mais de uma dezena de ligações, todas frustradas pelo sinal de ocupado. A ponto de desistir, uma intuição inexplicável me fez tentar pela última vez o contato. O “alô” do outro lado foi grave. Apresentei-me. Lindimar me interrompeu: “Eu sei quem você é.” Estremeci, mas procurei disfarçar. “Por que hesitou tanto em ligar? Medo?” Desconversei. Ela não se distraiu: “Não precisa ter medo. O problema aqui é outro. Acho que você não vai gostar de ouvir o que tenho a lhe dizer.” Tentei simular uma naturalidade impossível: “Será mesmo? Sou muito aberto a esse tipo de experiência.” “Você acha que é, mas não é.” Exasperado, não resisti: “A senhora nem me conhece ainda. Como pode falar assim?” “Posso vê-lo na minha frente, rapaz. Por fora e por dentro.” Rendido, aquiesci: “Vou arriscar, Madame Lindimar. Mesmo sabendo que posso não gostar do que tem a me dizer, quero ouvir. Topo a parada.” “Está bem, rapaz. Sua data é 2 de dezembro. Se tiver ouvidos, peço que me escute: não venha dirigindo. Providencie um táxi, um uber. Você sairá de minha casa bastante abalado.”

Como o leitor já deve ter compreendido, foi Madame Lindimar, sim, quem previu o acidente. Deixei a consulta atordoado. Desobediente, entrei no carro e dei a partida, ainda confuso. Só não sabia era que sua profecia se cumpriria tão rápido.

Por Rogério Faria Tavares - Presidente da Academia Mineira de Letras.