Outubro, 2020 - Edição 260

Reflexão positiva

Devemos aprender coisa novas, desaprender coisas que não devíamos ter aprendido, reaprender coisas antigas que nós já aprendemos e que serão importantes no futuro. (Silvio Meira)

Quem discute educação não pode esquecer do passado e da sua própria evolução. Neste sentido, vale começar pelo século XIX, que foi um período de intensos debates em torno da organização de um sistema público de ensino, sobretudo na Europa, com repercussões no cenário brasileiro. A educação fora considerada como instrumento estratégico de modernização para enfrentar o que se apontava como sendo “as forças conservadoras”, ditas como entraves para o encaminhamento de um projeto de tal natureza. Tendo como eixo a ordenação de um poder nacional de exaltação dos ideais de progresso, não renunciava às liberdades. Neste contexto, caberia à educação a tarefa de auxiliar na formação dos hábitos, das mentes, do caráter, dos padrões morais e intelectuais.

Nas palavras de Augusto Comte, fundador do Positivismo, “havia necessidade de substituir nossa educação europeia, ainda essencialmente teológica, metafísica e literária, por uma educação cientifista, positiva, conforme ao espírito da nossa época e adaptada às necessidades da civilização moderna”. Para Comte, só a educação poderia garantir a estabilidade social e política, aliviando os efeitos das desigualdades sociais e econômicas. No final do século XIX e no início do século XX, as “reformas” surgiriam com as pesquisas pedagógicas da Escola Nova de Dewey, de Maria Montessori, de Pestalozzi, de Carlyle, de Kerschensteiner e tantos outros, que buscavam alterar a lógica do que denominavam de “Pedagogia Tradicional”.

Que poder de sedução exerceu a educação para que tantos filósofos e pensadores dedicassem anos intermináveis de suas vidas para pesquisarem novas formas de levar aos jovens uma proposta criativa e factível para uma época de transformações profundas das famílias e da própria sociedade?

Até mesmo os grandes conflitos como a primeira e a segunda grandes guerras, destruidoras das cidades, dos costumes e da liberdade, não conseguiram, no entanto, atingir aos que de algum modo acreditavam na educação como instrumento efetivo de reformas. No Brasil, também foi um período de muitas reflexões pelos idos de 1922, no pensamento de Anísio Teixeira, Francisco Campos, Fernando de Azevedo, Afrânio Peixoto, Roquette Pinto, Julio de Mesquita Filho, Cecília Meirelles, integrantes com outros educadores e pedagogos do Manifesto dos Pioneiros da Educação, que afinal deu origem à Associação Brasileira de Educação, que completa, em 2020, seus 98 anos de existência produtiva e fértil.

Foram ideias avançadas que gradativamente transformavam-se em inúmeros ditames legais, como as leis 4024/1961, 5692/1971 e mais recentemente a LDB - n° 9.394/1996, porém, ainda assim, sem resultados concretos mais contundentes. A educação brasileira perdeu-se nas sombras de um processo de desenvolvimento calçado pelo pensamento monetarista da economia, de visões imediatistas e inconsequentes para o progresso social do país. Darcy Ribeiro e Paulo Freire, derradeiros filósofos da educação, desgastaram-se em conversas com surdos e em projetos sem desdobramentos por falta de apoio executivo. Os resultados são conhecidos e, nos dias atuais, conduzem a um Ensino Fundamental que sequer alfabetiza, um Ensino Médio sem objetivo e um Ensino Superior que precisa de cotas e de privilégios de pobreza e de raças para viabilizar a matrícula de menos de 50% dos concluintes do Ensino Médio em cursos de graduação, muitos de qualidade discutível. Que novos caminhos precisa a educação brasileira?

Um Ensino Fundamental que seja fundamental, que garanta uma alfabetização completa nas quatro primeiras séries, habilidade de escrita e de cálculos simples, com pelo menos 6 horas de carga horária diária, professores com remuneração que atraia jovens preparados em bons cursos de Licenciatura (raros cursos), “escolas de risco” com tratamento diferenciado, como, por exemplo, dois professores e dois estagiários por turma de 40 alunos, tempo para educação física e cultura (artes e letras), alimentação balanceada, apoio familiar etc. Que as séries finais conduzam a integralidade dos seus concluintes ao conhecimento básico indispensável ao prosseguimento dos estudos com qualidade de aproveitamento.

Um Ensino Médio que seja baseado em competências (conhecimentos, atitudes e habilidades) para formar cidadãos úteis, conhecedores do seu idioma, dos temas prioritários do processo de desenvolvimento (meio ambiente, saneamento, economia e habitação), das questões sociais, geografia e história como meios de aquisição de cultura, informática e internet como instrumentos eletivos de informação e conhecimento, matemática como conhecimento aplicado às soluções do cotidiano, enfim, um ensino mais do que fundamental ou médio, melhor definindo, um Ensino Estratégico que favoreça a inserção no trabalho com iniciativa e competência. Vencidas as etapas da Educação Básica, seria desejável uma formação técnica competente e adequada aos movimentos da ciência e da tecnologia, com qualidade compatível com as demandas de um mercado de trabalho seletivo e exigente e em consonância com vocações sedimentadas em pelo menos 17 anos de vida e 13 de estudos.

O Ensino Superior, com suas vertentes humanistas e tecnológicas, permanece reservado aos que continuam a sua excelente formação avaliada ao longo do processo educacional a que se submeteram e das suas aspirações, e que poderão vir a se constituir, no futuro, nos integrantes dos cursos de pós-graduação de mestrado e doutorado das instituições públicas formando um elenco de docentes e pesquisadores de expressão acadêmica invejável e das instituições privadas nas áreas não abrangidas pelas públicas, com a mesma qualidade e segundo autorizações dos órgãos superiores da educação. A Educação merece uma reflexão positiva.

Por Roberto Boclin - Membro da Academia Brasileira de Educação.