Julho, 2020 - Edição 257

Leitura em tempos de Quarentena

Em tempos de quarentena, com grande parte da população confinada e impedida de desempenhar os afazeres habituais, sobra tempo para atividades pouco usuais. De fato, em épocas tidas por “normais” a exiguidade de tempo e as exigências do dia a dia podem dificultar ocupações de natureza mais contemplativa, em que se incluem a leitura e a reflexão.

Não se ignora a importância da modalidade de trabalho ultimamente majoritária do home office, que levou a que grande parte da massa de trabalhadores incrementasse o uso de telas de computadore até de smartphones para exercer sua atividade produtiva. É fato também que o equilíbrio psicológico e o emocional das pessoas não se veem muito favorecidos nas circunstâncias, o que causa uma maior demanda por distração.

Assim, tendo em conta o aumento doconsumo de diversão e o fato de que a ocupação atualmente preferida para este fim, mirar telas luminosas (o que acaba se fazendo por largo tempo), tem consequências ainda ignoradas, seria hora de incrementar as campanhas pela leitura. De promover a leitura como distração e a Literatura como fonte abalizada de informação. Até mesmo porque mirar folhas de papel impressas parece causar menos desconforto à vista, ao menos da minha experiência pessoal. Não é à toa que os dispositivos usados para leitura de e-books sejam equipados com telas especiais e controle de brilho e nitidez.

Felizmente tem-se visto nesse período algumas iniciativas bem-sucedidas de incentivo à leitura. Lives pelo Instagram de escritores e críticos literários têm chamado atenção do público. Matérias em sites especializados idem. E órgãos e instituições culturais vão aos poucos aderindo à tendência. Em Vitória, a Biblioteca Pública Municipal Adelpho Poli Monjardim criou uma campanha online em que escritores locais informam em vídeos rápidos livro, ou autor, que estejam lendo, dando pistas sobre por que lê-lo.

Participei da campanha indicando o livro que lia na ocasião, duas semanas atrás: O Mar na Lajinha, do cabo-verdiano Germano Almeida. Almeida é vencedor do Prêmio Camões de Literatura em 2018 e sua obra ficcional, pouco conhecida no Brasil, conta hoje dezoito volumes. É de lamentar esse desconhecimento: a uma, porque as matrizes culturais de ambos os países, Brasil e Cabo Verde, são muito parecidas; a duas, porque a escrita de Almeida é agradável de fato: irônica e bem-humorada, crítica do modo de ser da sociedade local, ainda que em aspectos comuns a todas as outras. E pela difusão de termos do crioulo falado localmente, o que contribui para conferir à sua abordagem tons regionalistas, no sentido mais positivo do termo. Portanto, reforço aqui a recomendação.

Tratando-se de exemplo bem-sucedido dentre outros que se encontram nas redes, de qualquer maneira estão de parabéns os idealizadores do projeto no âmbito da Biblioteca Pública Municipal de Vitória e a sua própria Secretaria de Cultura. Sem dúvida que explorar oportunidades imprevistas faz diferença na consecução de resultados. Essa situação de imobilidade forçada, que, por outro lado, favorece o movimentar da mente, pode sim ser usada para difundir a leitura. É bom que estejamos atentos a essas iniciativas, procurando divulgá- -las o máximo possível.

Por Getúlio Marcos Pereira Neves - Getúlio Marcos Pereira Neves – magistrado e escritor – dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e do Espírito Santo e do PEN Clube do Brasil.