Maio, 2020 - Edição 255

Adeus a Rubem Fonseca – luto na literatura


Por Manoela Ferrari


Arnaldo Niskier: Juliano Costa é diretor da Pearson Educação do Brasil, e se formou em História e em Educação na Federal de Alagoas, portanto, um homem de múltiplas facetas. Como será a educação brasileira no ano 2030?
Juliano Costa: Dentro da Pearson nos dedicamos a estudar o futuro da educação, porque fundamentalmente a educação é um projeto que se realiza por décadas, modifica no agora, mas só vai gerar efeitos daqui a cinco, dez anos, que são geracionais que vão passando na escola, no ensino superior. Não existem microciclos hoje numa educação quando imaginamos planetária. Temos uma pesquisa chamada The Future of Skills, o futuro das habilidades, que trabalha exatamente como é que vai ser o trabalho em 2030, e, dentro dessa pesquisa, mapeamos uma série de habilidades que serão absolutamente imprescindíveis em 2030 e outras habilidades que hoje são imprescindíveis e não serão mais...

Arnaldo Niskier: Isso gerando novos cursos superiores também.
Juliano Costa: É o efeito que isso provoca. Vamos dar o exemplo. Apesar da pesquisa trabalhar com habilidades e depois mapear possíveis profissões, gostaria de dar um exemplo para isso. Uma das habilidades óbvias para 2030 é a criatividade, já é uma habilidade hoje necessária para um mundo complexo que está em constante mudança. Mas como seria uma profissão baseada em criatividade? Vamos imaginar, por exemplo, um engenheiro de software, um engenheiro de criatividade de software. Vamos imaginar um mundo em que todo mundo aparece on-line, aparece em vídeo, aparece no Instagram, aparece no YouTube e precisa de um gestor de imagem pessoal on-line, uma pessoa que precisa de um tutor, de alguém que dê o guide, que guie essa pessoa em como é que ela vai aparecer o tempo inteiro com câmeras por todos os lados.

Arnaldo Niskier: Você vê isso só na Engenharia ou, por exemplo, também na Administração?
Juliano Costa: Na verdade, vamos pegar três habilidades de 2030. Seriam elas: criatividade, resolução de problemas e resiliência. Então acreditamos que, em 2030, fizemos essa pesquisa com a empresa de inteligência artificial, a Nesta, que é uma empresa britânica que trabalha com muita inteligência artificial, mas fizemos concomitante a um grupo de experts do mundo do trabalho e do mundo educacional para dar o viés subjetivo humano, e aí colocamos que, na pesquisa, saiu criatividade, resolutividade, a capacidade de resolver problemas complexos, e resiliência; suportar o quanto de pressão você vai receber para isso. Isso é em todas as profissões que existirão lá e nas que vão deixar de existir. Desde aquelas que são mais simples, como gestão de pessoas no sentido de imagem pessoal, imagem pública, até aquelas mais complexas, como cientista de dados, por exemplo. Se hoje já temos um bilhão de dados produzidos por indivíduos que vale uma mina de ouro, imaginemos como será em 2030 essa quantidade de dados gerados. Então é preciso que as pessoas realmente comecem hoje, nossas crianças, nossos adolescentes, nossos adultos jovens que estão entrando no mercado de trabalho, a desenvolver habilidades independente do curso; se elas vão fazer um curso de Administração, se elas vão fazer um curso de Engenharia ou de Pedagogia.

Arnaldo Niskier: Esses tradicionais cursos são os mais famosos do Brasil. Direito, Pedagogia e Administração vão sobreviver, vão chegar ao ano 2030?
Juliano Costa: Acreditamos que sim, agora, não no modo que ele é desenhado hoje, vamos trabalhar isso de modo mais concreto. Quando imaginamos um ensino superior de Pedagogia, fizemos uma pesquisa recentemente chamada Global Learners, ou seja, aprendentes estudantes globais que entrevistava alunos e estudantes de 16 a 60 anos de idade. Essa pesquisa trouxe insights extremamente importantes para pensar o ensino superior e o trabalho para pessoas de 16 a 60 anos. Uma característica importante é que não dividimos por faixas de idade. Por que não dividimos? Porque não faz sentido mais hoje imaginar que uma pessoa de 60 anos não possa ter um emprego de cientista de dados. Numa sociedade de constante aprendizagem de long life learning, de aprendizado para toda vida, então um curso de Pedagogia hoje deveria estar mais focado em como incorporar tecnologias e metodologias típicas do século XXI, como design thinking, como métodos ágeis, protótipos rápidos de aprendizagem com alunos do que em teoria de aprendizagem do século XIX ou, por exemplo, do que como foi a formatação da educação jesuítica no Brasil no século XVI. Estamos falando de volume. Acho que a questão aqui não é a relevância do tópico, mas a volumetria do tópico dentro do curso. Esse é o ponto. Por exemplo, deveremos passar um ano discutindo história da educação brasileira ou deveremos passar três meses num curso híbrido com vários conteúdos on-line para o aluno pesquisar e mais sete meses trabalhando a educação do futuro, a educação de aprendizagem ativa, colaborativa ou com tecnologia? Esses são os pontos. Acreditamos que Matemática continua relevante, História continua relevante, porém ela precisa ser uma sobrecamada de século XXI para poder entregar problemas cada vez mais complexos num mundo cada vez mais mutável. Então essa é a reflexão que precisamos ter, especialmente focada na ideia de flexibilidade curricular, que, no Brasil, é uma coisa muito complexa, você ter flexibilidade curricular, possibilidade de alterar seu currículo de seis em seis meses. Por outro lado, isso gera uma preocupação genuína em nós, educadores, sobre se uma educação que muda de seis em seis meses consegue entregar um cidadão completo, um cidadão preparado para o mundo do trabalho, para a vida em sociedade. São dúvidas genuínas e que não vamos poder saná-las enquanto não aplicarmos essa metodologia na escola, porque definitivamente a educação não tem laboratório para teste, não conseguimos fazer como o laboratório de biologia: separar um grupo de estudantes e fazer testes em laboratório para ver o que vai acontecer. Educação tem essa questão muito difícil de mediar: a tradição e a segurança do que você sabe que entrega com a inovação necessária no mundo que chamamos de “Vuca”, volátil, incerto, complexo e ambíguo que vivemos hoje.

Arnaldo Niskier: E como as coisas mudam e mudam muito rapidamente, vocês, na Pearson, defendem a teoria que é também a minha, de que a educação deve funcionar para toda a vida. Uma vez fui convidado pelo SENAC para ir a Paris numa reunião na Unesco e lá (isso já foi há dez anos) se discutia o tempo todo uma coisa chamada educação para toda a vida, educação contínua, educação permanente e vejo que vocês também adotam essa metodologia. Como é isso?
Juliano Costa: A ideia herdada do século XX é de que a educação vinha em blocos. Você fazia a educação básica, chegava ao final do ensino médio, tinha uma certificação que lhe preparava para o mundo do trabalho, em certa medida, depois tinha o nível superior, depois o mestrado e doutorado e encerrava sua vida de aprendizagem. Você poderia terminar um doutorado em 1989 e passar os outros 30, 40 anos continuando em cima daquela aprendizagem do doutorado de 1989 como se o conhecimento tivesse parado ali, porque o conhecimento andava muito devagar antes da tecnologia. Isso era uma verdade até o começo dos anos 2000. A última geração que experenciou isso, que foi a minha geração, a geração X, essa geração ainda foi criada na ideia de que o mundo muda devagar, de que o conhecimento se acumula num depósito e que você vai usando aquele conhecimento ao longo da vida inteira com as informações que você teve.

Arnaldo Niskier: Agora dizem que é uma geração Z.
Juliano Costa: Essa geração Z ou Milênios, como é chamada, e tem uma provocação muito boa. Imaginemos hoje que dentro da escola da educação básica não existe nenhuma criança que nasceu no século XX, mas imagine que todas as crianças que estão dentro da escola hoje da educação infantil até o 3.º ano do ensino médio nasceram após o atentado terrorista de 11 de setembro. Então isso é uma coisa muito relevante de se pensar; elas nunca viram uma sociedade dividida pelo muro de Berlim, nunca viram uma sociedade sem internet, nunca viram sociedade sem smartphones e smart TVs, e essa dinâmica de uma sociedade altamente conectada gerou a ideia de que conhecimentos acumulados são derrubados muito rapidamente e muito facilmente pela velocidade de produção do conhecimento em virtude da tecnologia e sua velocidade de divulgação. Imaginemos (gosto do exemplo passado de alguns anos atrás de Plutão). Nós, professores, estávamos em sala de aula falando que Plutão era um dos nove planetas, e a sociedade internacional de astronomia foi lá e recaracterizou ele, que deixou de ser um planeta e nós ainda estávamos dando aula enquanto isso acontecia. E o aluno tinha a informação, mas o livro não estava com essa informação atualizada, digamos assim, time, o papel não estava.

Arnaldo Niskier: E agora já estão dizendo que existem outros planetas por aí.
Juliano Costa: Então nesse cenário a ideia do aprendizado ao longo da vida é: não existem mais diplomas, não existem mais blocos de conhecimento que farão com que as pessoas tenham autoridade em termos de informação ou de competência para o resto da sua vida. Na verdade, assim que sair da universidade, o seu conhecimento já está defasado. Assim que você sair da pós-graduação, seu conhecimento já está defasado. E o que isso implica? Que você tem o tempo inteiro que estar aprendendo novamente, mais do que a proposta de Edgar Morin, de 1999, de aprender, desaprender e aprender de novo... Não é o desaprender, é o aprender a todo momento, porque o conhecimento volta, a exemplo do vinil. Achávamos que o vinil estava morto, achávamos que o cinema estava morto com o streaming, e este ano passado foi o melhor ano da indústria cinematográfica na história da indústria. Então, na verdade o conhecimento, qualquer que seja, desde o conhecimento dos anos 1970, 1980, chamamos de vintage, ou de vinil ou de matemática aristotélica, tudo pode voltar. Aí o que falamos é: aprender o tempo inteiro em virtude da acessibilidade que é um tema muito poderoso no século XXI. Não existem mais idades para o aprendizado. Você não tem problemas de locomoção para aprender. Hoje você não tem problema de vista, porque pode usar dispositivos que permitem a cegos aprender, a deficiência alta visual, a pessoas que não têm membros superiores aprender. Não existem mais esses limites para a tecnologia

Arnaldo Niskier: Estamos lidando com isso no Centro de Integração Empresa-Escola, o famoso CIEE, e temos tido muito sucesso no trabalho com deficientes.
Juliano Costa: Ferramenta de inclusão na aprendizagem profissional. Então isso muda um conceito. Vou usar aqui duas palavras em inglês que são da Heather Mcgowan, pesquisadora sobre o futuro do trabalho norte-americano. Ela fala que o conhecimento modelo storage, que é aquele conhecimento acumulado dentro de um depósito que foi o que fomos criados nos anos 1970, 1980, está sendo substituído pelo conhecimento via streaming, via fluxo, ou seja, quem acumular mais conhecimento vai perdendo valor, e quem for capaz de rapidamente usar conhecimento, deixar ele passar para usar outro, vai adquirindo mais valor. Esse é o conceito básico e fundamental do aprendizado para toda a vida.