Abril, 2020 - Edição 254

Ex libris

Não é bom apertar a alma, para ver se sai tinta. O papel continua sendo o assassino de ti e talvez é melhor que a sombra e que suas adagas por antigas vozes vão descalças.

Por antigas vozes, muito longe do número e seus cárceres, entre névoas esquecidas. Mas também penso que com todo isto talvez possas fazer algum dia um caderninho; que com tudo isto – rubros, névoas e meninos que se dizem adeus pelas esquinas – talvez sim possas reunir uns ilegíveis pedaços de diário para com paciência remendá-los, pela tarde adentro, até que desajeitadamente formem um livro feito de frio.

E talvez sobre as suas capas cinzas de chuva tu possas pôr também meu nome antigo e, justamente sob, conhecidas datas de meu nascimento e morte. E então meu nome pequeno ali, meu nome – pobre – que não sei mais se provoca tristeza ou riso assim gravado em capas diante das que possas abraçar as evaporadas silhuetas de uns tristes fantasmas sentimentais que não sou mas que os velhos papéis teimosamente dizem que fui.

*Santiago Montobbio (Barcelona, 1966) é escritor, professor e membro correspondente da Academia Espírito-santense de Letras.
Tradução de Ester Abreu Vieira de Oliveira, presidente da AEL e vice-presidente da AFESL.

Por Santiago Montobbio*